29 janeiro 2025

O CREDO APOSTÓLICO

Por Emil Brunner

Este Symbolum Apostolicum não foi, como seu nome diz e como se acreditava, composto pelos apóstolos, antes é fruto de um longo desenvolvimento iniciado em meados do século II, passou por uma série de formas materialmente divergentes, tomando finalmente a forma que conhecemos no final do séc. V. Reconhecemos desde o início seu alto valor como o Credo que une todas as igrejas cristãs, e que acima de tudo prestou serviço inestimável na luta contra as heresias gnósticas, porque dá expressão inequívoca à verdade de que a fé cristã é fé no Deus que se revelou através do Espírito Santo na pessoa de Jesus, como as narrativas evangélicas testemunham dele e como a comunidade cristã o reconheceu desde o início como Kyrios Christos. Neste sentido, podemos reconhecer o Credo Apostólico como excelente expressão da fé cristă no sentido do Novo Testamento, dizendo brevemente o essencial.

Mas, frente a isto, devemos descrevê-lo não apenas como inadequado, mas também como enganoso, na medida em que nomeia uma série de "fatos" da vida de Jesus, que em parte não pertencia à pregação apostólica; e acima de tudo porque os representa como fatos a serem cridos, sem deixar claro que eles são "fatos da salvação" como coisas que aconteceram "para nós". Nisto, o Credo Apostólico levou a cristandade a um falso caminho que descrevemos como "crença em fatos" e ao mesmo tempo faz da confissão da fé uma "lei da fé". Logo aparece a expressão lex fidei, conceito através do qual a alegre mensagem dos Apóstolos, que nos liberta da lei, é ela mesma transformada novamente em lei. Por outro lado, não diz uma única palavra sobre um assunto que foi de importância decisiva para os apóstolos desde o início da sua pregação, ou seja, que este Jesus encontra-se em continuidade histórica com a revelação do Velho Testamento e com a história salvífica. O elemento da história salvífica e o elemento existencial recebem nela apenas uma ênfase inadequada.

Isto significa que a palavra "creio" tem significado diferente daquele da pregação dos apóstolos. O Credo Apostólico não diz uma única palavra quanto a principal preocupação do Novo Testamento, o amor de Deus que vem ao nosso encontro no ato de reconciliação de Deus. O perdão dos pecados, que, junto com a mensagem de esperança sobre a vinda do Reino de Deus, forma o centro da Bíblia, é mencionado apenas na terceira seção como um apêndice, por assim dizer; a esperança do Reino vindouro aparece apenas na forma de "vir para julgar" e a vida eterna como último acréscimo; não é apresentada em associação essencial e necessária com a fé em Cristo, não segue inevitavelmente, como em Paulo, da justificação pela fé. Se perguntássemos a um dos apóstolos se reconheceria nesta formulação a preocupação central da sua mensagem, a resposta seria um enfático "Não". Os Apóstolos estavam preocupados com algo bem diferente, com a auto-comunicação do amor de Deus em Jesus Cristo, Seu Ato e Palavra como fundamento da nossa esperança no vindouro Reino de Deus. Como o Credo Apostólico, enumerando uma série de fatos a serem considerados, fez com que pistis degenerassem em fé nos fatos; por isso, ao não mencionar o ato de reconciliação, favoreceu o desenvolvimento errado do dogma ao longo de linhas especulativas.


Emil Bunner, DOGMÁTICA: a doutrina cristã da igreja, da fé, e da consumação. Vol. III, tomo 2. São Paulo: Fonte Editoral, 2020. p. 164-166.

07 fevereiro 2023

OS COMERCIANTES DA FÉ

"Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme." 2 Pedro 2:3

Por favor, reflitam sobre isto:

Alguém consegue imaginar o nosso Senhor Jesus Cristo cobrando para pregar, ou ensinar a Palavra de Deus? 

E alguém consegue imaginar qualquer um dos apóstolos cobrando para pregar o evangelho, ou ensinar o que aprendeu com o Senhor? 

E alguém consegue imaginar os autores bíblicos cobrando para conceder acesso àquilo que escreveram inspirados pelo Espírito Santo, sendo que não há qualquer escrito mais valioso em todo o Universo? 

Tudo isso eles nos deram de graça, embora tenham sofrido para fazê-lo, mas esse foi um custo prazeroso, pois sabiam estar obedecendo a Deus. Como pode então alguém se achar superior aos apóstolos e mesmo ao Senhor Jesus Cristo achando-se no direito de cobrar para se ensinar a santa Palavra de Deus? 

Pois bem, aqueles que cobram para pregar, ou por seus cursinhos bíblicos (ou sobre como escapar da grande tribulação - a modinha atual) terão que prestar contas com Deus por fazerem da santa Palavra de Deus um negócio. Ao cobrarem para compartilhar o ensinamento bíblico eles estão deixando de fora os mais pobres, que não tem condições de lhes pagar. A verdade, porém, é que tais "mestres" não se importam com essas pessoas carentes, pois não há neles o verdadeiro amor de Deus, mas apenas interesse financeiro. Sendo assim, não se deixe enganar: esses comerciantes da fé, por mais famosos que sejam, receberão o merecido castigo da perdição eterna se não se arrependerem! 

A justificativa dada por esses "mestres" é que eles necessitam cobrar, pois tiveram que gastar dinheiro com livros e equipamentos tecnológicos, além do tempo investido para escrever e gravar vídeos. Sabemos de tudo isso, mas o que a Palavra nos ensina é que aqueles que ensinam essa mesma Palavra o façam voluntariamente, não por torpe ganância, pois os que estão aprendendo irão também ofertar espontaneamente, se puderem fazê-lo, mas sem qualquer cobrança ou constrangimento por parte dos seus mestres — assim como os apóstolos não rejeitavam as ofertas que espontaneamente recebiam, porém não cobravam pelo que estavam ensinando. O problema é que esses mesmos comerciantes da fé não tem suficiente fé para confiar que Deus irá tocar no coração dos seus alunos para lhes enviar alguma oferta. E assim se assemelham aos ímpios e mundanos, que tudo fazem cobrando e por amor ao dinheiro. 

Que não nos esqueçamos disto:

O verdadeiro discípulo de Cristo não é aquele que meramente se diz cristão e conhecedor da Palavra de Deus, mas sim aquele que realmente segue os passos de Cristo, não ousando fazer algo que não consiga imaginar o seu Mestre e Senhor fazendo. 

- Alan Capriles.

A DEUS TODA GLÓRIA!

26 julho 2019

A BÍBLIA ENSINA OU NÃO QUE A TERRA É PLANA?


Por Dr. Danny R. Faulkner

Introdução

Como já discutido anteriormente, a crença de que a Terra é plana cresceu rapidamente nos últimos tempos, em grande parte através da disseminação via inúmeros sites da Internet e da influência da mídia social. Infelizmente, muitos cristãos foram vítimas disso, levados a acreditar que a Bíblia ensina que a Terra é plana e que, até cinco séculos atrás, a igreja igualmente ensinou que a Terra é plana. Neste artigo, examinarei muitas das passagens bíblicas que supostamente ensinam que a Terra é plana, e vou mostrar que na verdade elas não fazem isso. Mas antes de fazê-lo, devo responder a duas falsas premissas mencionadas acima: que a igreja historicamente ensinava que a Terra é plana e que isso mudou há 500 anos.

Conforme o estudioso medieval Geoffrey Burton Russell demonstrou habilmente, ao contrário do conceito geral errôneo, a igreja medieval não ensinava que a Terra seria plana. Tomás de Aquino introduziu o pensamento aristotélico no ensino da igreja medieval. Escrevendo no século IV a.C., Aristóteles claramente ensinou que a Terra era esférica. No início do século II a.C., Eratóstenes mediu com precisão a circunferência da Terra esférica. O Almagesto de Cláudio Ptolomeu desde o início do século II d.C. forneceu um modelo útil para calcular as posições dos corpos celestes. Embora esse modelo fosse geocêntrico, ele não promoveu uma Terra plana, mas em vez disso foi baseado em uma Terra esférica. As obras de Aristóteles, Eratóstenes e Ptolomeu foram todas amplamente disponíveis e discutidas no final do período medieval, e continuaram a ser através da transição para a Renascença. Dado o registro claro da História, por que é tão comum acreditar hoje que a maioria das pessoas, e especialmente a igreja, pensavam que a Terra era plana?

Esse conceito errôneo é facilmente atribuído aos escritos de dois céticos do final do século XIX, John William Draper e Andrew Dickson White, que inventaram a tese do conflito. A tese do conflito afirma que a religião em geral, e o cristianismo em particular, impediram o progresso. A argumentação da tese do conflito era que a Europa medieval estava dominada pela superstição (cristianismo) que impediu o avanço intelectual, e foi somente depois que a razão do homem reafirmou-se durante a Renascença que o homem lentamente se tornou livre do dogma religioso, resultando no Iluminismo. É verdade que quatro séculos atrás a Igreja Católica Romana se opôs ao ensinamento de Galileu sobre a teoria heliocêntrica. De acordo com a tese do conflito, foi o suposto ensino geocêntrico da Bíblia que fez com que a Igreja Católica Romana se opusesse a Galileu. Entretanto, o registro histórico demonstra que foram os ensinamentos de Aristóteles e Ptolomeu que desempenharam o papel principal nesse conflito. Isso é, o caso Galileu foi uma batalha entre duas teorias científicas — geocentrismo e heliocentrismo — com a Bíblia desempenhando um papel muito menor. Daí, a tese do conflito reinterpretou o caso Galileu em algo que não foi.

Os promotores da tese do conflito também recontaram a história de Cristóvão Colombo. A maioria das pessoas hoje persiste na crença errônea de que na época de Colombo quase todos pensavam que a Terra era plana. De acordo com essa deturpação da história, Colombo era uma das poucas pessoas que pensavam que a Terra era esférica, e ele entendeu que em uma Terra esférica poderia navegar para o oeste da Europa para chegar à Índia e à China. Supostamente, Colombo teve de argumentar contra fortes objeções provenientes daqueles que pensavam que a Terra era plana para obter apoio para sua expedição. Finalmente, de acordo com a mesma história, Colombo conseguiu completar uma viagem para o Novo Mundo, e quando ele voltou para a Europa, as pessoas perceberam que Colombo estava certo — o mundo era esférico e não plano. Sério? Como a navegação da Europa para o Caribe e de volta para a Europa provou que o mundo era esférico? Não provou. A verdade é que ninguém disse a Colombo que ele não poderia chegar ao Extremo Oriente navegando para o oeste. Todos sabiam que isso era possível, porque todos sabiam que a Terra era esférica. O problema era que a Terra era muito grande. A maioria das pessoas entendeu que a distância a oeste da Europa para o Extremo Oriente era muito maior do que indo para o leste (um olhar para qualquer globo prova isso). A questão não era como era possível chegar à Ásia indo para o oeste, mas sim o quanto era viável. A crença era de que o oceano entre a Europa e a Ásia era vasto, com pouca ou nenhuma terra no meio. Na época de Colombo, as viagens em águas abertas eram muito arriscadas, e os navios raramente navegavam mais de três dias fora da vista da terra. Uma viagem a oeste através do oceano para a Ásia teria exigido meses, sem nenhuma oportunidade para reabastecimento ou resgate ao longo do caminho se problemas se desenvolvessem.

Os fatos da História refutam a história comumente defendida sobre Cristóvão Colombo. Grande parte do trabalho de apoio a uma Terra plana hoje, indiscriminadamente, repete e baseia-se nessa falsa visão. O movimento da Terra plana começou em meados do século XIX, ao mesmo tempo em que a tese do conflito estava sendo desenvolvida. Enquanto os céticos estavam ridicularizando a Bíblia por supostamente ensinar que a Terra é plana, os primeiros terraplanistas aceitaram loucamente essa falsa afirmação. Incontestavelmente, o recente aumento de interesse na Terra plana entre os cristãos tem sido alimentado pela (falsa) crença de que a Bíblia ensina que a Terra é plana. Aqueles que se alistaram no movimento da Terra plana nos últimos tempos, aparentemente, ignoram o fato de que aqueles que promoveram a tese do conflito fizeram os mesmos argumentos para desacreditar a Bíblia. Isso pode ser irônico, ou talvez não seja. É possível que certas pessoas que promovem a Terra plana hoje estejam fazendo o mesmo para desacreditar a Bíblia e o cristianismo mais uma vez. Neste caso, então os cristãos que têm sido enganados ao acreditar que a Terra é plana caíram de modo tolo na armadilha. Examinemos as Escrituras para ver o que elas dizem. Veremos que os promotores da Terra plana não as manejam melhor do que manejam a História.

A Bíblia Ensina que a Terra tem uma Borda?

Quase todos entendem que uma esfera não tem uma borda. De fato, podemos viajar indefinidamente em torno de uma esfera e nunca chegar a um limite ou borda. Por outro lado, se a Terra é plana, ela deve ter uma borda em algum lugar, a menos que a Terra seja um plano infinito. No entanto, poucas pessoas atualmente sugerem o último, e ninguém no mundo antigo o fez. Os céticos da Bíblia gostam de apontar que a frase "quatro cantos da Terra" aparece três vezes na Bíblia. Seguramente, os céticos afirmam que isto deve se referir a uma Terra plana e quadrada — provando deste modo que a Bíblia ensina uma Terra plana. No mínimo, eles argumentam que isso mostra que os escritores da Bíblia acreditavam em uma das cosmologias da Terra plana do mundo antigo, provando assim que a Bíblia não é inspirada, mas que as pessoas que escreveram a Bíblia apenas refletiam a cosmovisão de seus tempos. Existem alguns exemplos de cosmologias da Terra plana do mundo antigo, mas elas sempre consistiram de uma Terra plana e redonda. Um círculo era considerado uma forma muito mais perfeita do que um quadrado, portanto nenhuma das antigas cosmologias da Terra plana envolvem uma Terra quadrada. Se uma Terra plana e quadrada fosse a cosmologia da Bíblia, então ela teria estado em desacordo com cada cosmologia antiga da Terra plana. Portanto, essa tentativa dos céticos de afirmar que a Bíblia ensina uma Terra plana não se enquadra (trocadilho intencional) nos fatos da História.

Se os versículos que mencionam os quatro cantos da Terra não se referem a uma Terra plana, então a que eles se referem? Deixe-me começar com Apocalipse 7:1, que fala de quatro anjos que estão sobre os quatro cantos da Terra e que restringem os quatro ventos da Terra. Mesmo os estudantes mais ardentes da interpretação hiperliteral da Bíblia reconhecem os frequentes elementos poéticos e o uso de imagens no livro de Apocalipse. Isso se estende às muitas ocasiões em que números aparecem no livro de Apocalipse. Neste versículo, o número quatro aparece três vezes. Em cada uso, as coisas mencionadas estão intimamente ligadas, portanto há uma relação biunívoca entre cada um dos três grupos de quatro.

Os quatro ventos referem-se às quatro direções das quais os ventos podem vir: norte, sul, leste e oeste. Muitas vezes usamos essa nomenclatura hoje, tal como dizer que o vento é “do oeste.”  A repetição do número quatro (“quatro anjos… quatro cantos… quatro ventos”) liga cada anjo e cada canto com uma das quatro direções da bússola. Portanto, não há fundamento para interpretar esses quatro cantos literalmente, especialmente quando isso não corresponde com nenhuma cosmologia.

A frase “quatro cantos da terra” provavelmente era uma expressão idiomática no tempo do apóstolo João, tanto como é hoje em português, referindo-se a cada posição distante na Terra. Esse é o significado do contexto de Apocalipse 20:7-8, a outra ocorrência da frase “quatro cantos da terra” no livro de Apocalipse (a versão King James tem a palavra quadrante aqui em vez de canto, embora a palavra grega seja a mesma em ambos, Apocalipse 7:1 e 20:7-8). As expressões idiomáticas em uma língua podem ser difíceis de traduzir para outro idioma, porque uma tradução literal pode não ter sentido na língua alvo (imagine como uma tradução literal da nossa expressão idiomática “fiquei a ver navios” seria entendida em outros idiomas). É provável que a compreensão idiomática da língua portuguesa de “os quatro cantos da terra,” referente às partes mais remotas da Terra, provenha de Apocalipse 20:7-8. A partir de uma avaliação de seu contexto, podemos concluir que esse é também o significado de “os quatro cantos da terra” em Isaías 11:12, a terceira aparição desta frase na Bíblia. Seu uso geralmente é entendido como idiomático.

Os céticos da Bíblia frequentemente usam esses três versículos para argumentar que a Escritura ensina que a Terra é plana. Enquanto alguns promotores da Terra plana usam esses três versículos, muitos não. Por quê? Eles provavelmente percebem que uma Terra quadrada com cantos não concorda com seu modelo de uma redonda Terra plana. Essa é uma omissão notável dos terraplanistas. Como os cristãos que acreditam em uma Terra plana, porque creem seriamente que é o que a Bíblia ensina, lidariam com esses três versículos? Eles provavelmente iriam interpretá-los tanto como eu os interpreto. Contudo, uma vez que se admita que algumas passagens bíblicas que supostamente ensinam uma Terra plana são idiomáticas, é difícil afirmar que passagens semelhantes também não são idiomáticas. Por exemplo, a frase “extremidades da terra” aparece 28 vezes na versão King James, e, se tomada literalmente, sugere que a Terra tem uma borda, o que descartaria uma Terra esférica.

Entretanto, a avaliação crítica de cada uma dessas 28 ocasiões da frase “extremidades da terra” em seus respectivos contextos mostra claramente que esta frase também é uma expressão idiomática. Por exemplo, em 12 das 28 ocorrências, a palavra hebraica efes (“extremidade, fim”) usada em construção com erets (“terra”), prova que os autores bíblicos tencionaram esta frase como uma referência aos alcances extremos do mundo habitável. O fato de que esta frase algumas vezes é usada não para falar das partes distantes da Terra em si, mas sim das pessoas que habitam esses lugares remotos (por exemplo, Salmos 67:7; 98:3; Isaías 45:22)  argumenta fortemente contra esta frase sendo usada para indicar que a Terra tem uma borda física.

As Altitudes na Bíblia Ensinam que a Terra é Plana?

Talvez o argumento mais bizarro de que a Bíblia ensina uma Terra plana se baseia em Daniel 4:11, que diz:

“Crescia a árvore, e se fazia forte, de maneira que a sua altura 
chegava até o céu, e era vista até os confins da terra.”

Esta descrição é repetida quase palavra por palavra em Daniel 4:20. Ambos, céticos e terraplanistas, argumentam que, numa Terra esférica, não seria possível que uma árvore fosse visível da Terra inteira, mas tal árvore poderia ser visível em qualquer lugar em uma Terra plana. Mas qual é o contexto destes versículos? O quarto capítulo de Daniel é o relato do segundo sonho de Nabucodonosor. O versículo 5 cita diretamente as palavras de Nabucodonosor afirmando que ele teve um sonho. Os versículos 10 a 17 citam Nabucodonosor descrevendo o conteúdo de seu sonho. Note que isso é um sonho. Com seus elementos selvagens e fantásticos, os sonhos dificilmente são declarações sobre a realidade, e muito menos a cosmologia. É notável que alguém interprete o conteúdo do sonho de um rei pagão registrado na Escritura como evidência de que a Bíblia ensina que a Terra é plana. Os versículos 19 a 27 contêm a interpretação de Daniel do sonho de Nabucodonosor, e os versículos 28 a 37 relatam o cumprimento do sonho. A chave para a interpretação do sonho é a identificação de Nabucodonosor com a árvore em seu sonho (versículos 20 a 22). Imediatamente, deve-se ver que, uma vez que a árvore representa Nabucodonosor, não é uma árvore literal (embora que, estando em um sonho, a árvore não seria literal de qualquer maneira). Além disso, o cumprimento literal do sonho não envolve uma árvore de forma alguma, reforçando a natureza não-literal da árvore. Mesmo que o sonho reflita corretamente a cosmologia de Nabucodonosor (assumindo que ele pensava que a Terra era plana), dificilmente constitui evidência de que a Bíblia ensina que a Terra é plana. Antes, a Bíblia meramente registra o pensamento de Nabucodonosor.

O mesmo tipo de raciocínio é usado para argumentar que Mateus 4:8 ensina uma Terra plana. Mateus 4:1-11 dá um relato da tentação de Jesus. A tentação começou no deserto, depois de Jesus ter jejuado por 40 dias e noites. Satanás primeiro tentou Jesus para transformar pedras em pão para satisfazer a fome de Jesus (Mateus 4:3). Presumivelmente, isso foi enquanto ainda estava no deserto. Em seguida, o diabo levou Jesus ao pináculo do Templo em Jerusalém e sugeriu que Jesus se lançasse para baixo (Mateus 4:5). Note que havia uma distância considerável entre o deserto e o Templo (pelo menos 80 quilômetros). Satanás instantânea e literalmente transportou Jesus do deserto para Jerusalém? Ou Satanás apresentou essa vista a Jesus enquanto ainda estava no deserto, talvez em uma visão? Mateus 4:8 registra a terceira tentação:

“Novamente o diabo o levou a um monte muito alto; 
e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles.”

Aqueles que desejam defender uma Terra plana bíblica apontam que todos os reinos da Terra seriam visíveis de um monte alto somente se a Terra for plana. Entretanto, se esse monte de Mateus 4:8 com sua vista de toda a Terra é literal, então, onde ele está? Aqueles que seguem essa linha de raciocínio nunca determinaram a localização desse monte hipotético. Se esse monte é hipotético mesmo em uma Terra plana, então este versículo dificilmente constitui prova de que a Bíblia ensina que a Terra é plana. Mas este versículo realmente implica a visibilidade de toda a Terra a partir do pico desse monte?

Os outros dois Evangelhos sinóticos também registram a tentação de Cristo (Marcos 1:12-13, Lucas 4:1-13), embora o relato de Marcos não tenha detalhes. Os detalhes do relato de Lucas coincidem com muitos dos detalhes do registro de Mateus, mas há diferenças. Por exemplo, as segunda e terceira tentações estão trocadas. Isso não é uma dificuldade, se se permite que um ou ambos os relatos da tentação de Cristo sejam tratados tematicamente em vez de cronologicamente.  Aqueles que afirmam que a Bíblia ensina uma Terra plana se concentram no relato de Mateus, mas ignoram grandemente o Evangelho de Lucas nessa questão. Observe as diferenças entre Mateus 4:8 (acima) e Lucas 4:5:

“E o diabo o levou para o alto e mostrou-lhe 
num momento de tempo todos os reinos do mundo.”

Note que nenhum monte é mencionado, mas meramente que o diabo levou Jesus “para o alto” (traduções anteriores baseadas no Textus Receptus têm a palavra monte, mas a palavra grega para monte não aparece nos outros manuscritos, portanto sua inclusão no Textus Receptus provavelmente veio de uma adição de um copista que estava informado do relato paralelo de Mateus). Esse é um ponto relativamente pequeno, mas pode ter alguma relevância sobre se o monte que Mateus registrou era literalmente um monte alto do qual todos os reinos do mundo podiam ser vistos. Mais um detalhe no Evangelho de Lucas lança luz sobre esta questão. Lucas declarou que o diabo mostrou a Jesus todos os reinos do mundo “em um instante de tempo.” A ênfase não é sobre onde Jesus estava, mas o que Jesus via. Isso não foi um grande panorama que levou algum tempo para assimilar. Pelo contrário, a glória de todos os impérios do mundo foi mostrada a Jesus simultaneamente. Isso soa mais como uma visão em vez de uma vista. Talvez não tenha havido um monte envolvido, mas, mais provavelmente, se refere a um lugar elevado e desolado, provavelmente no deserto, onde ocorreu a terceira tentação e sua visão concomitante. Não é de admirar que aqueles que promovem a Terra plana normalmente se concentram em Mateus 4:8 enquanto ignoram Lucas 4:5. Conforme mencionado acima, pode-se deduzir incorretamente de Mateus 4:8 que realmente existe um monte tão alto que toda a superfície da Terra é visível a partir dele, mas através da interpretação da Escritura nos termos da Escritura, pode-se ver que isso está incorreto.

O Firmamento é um Domo acima da Terra?

A cosmologia da Terra plana defende que um domo cobre uma Terra plana e circular, com sua borda apoiada na Terra do outro lado da parede de gelo da Antártida. As estrelas estão afixadas a esse domo, enquanto o Sol e a Lua estão acima da Terra, mas abaixo do domo. Alguns têm chamado isso de cosmologia do globo de neve, por causa de sua semelhança com um globo de neve. Supostamente, esta é a cosmologia que a Bíblia ensina. Ironicamente, os céticos fazem o mesmo argumento, mas a intenção deles é desacreditar a Bíblia. Poucos terraplanistas parecem estar cientes desse fato ou da ironia. Examinemos as Escrituras que supostamente apoiam esta cosmologia.

A chave nesta discussão é o firmamento. A palavra hebraica raqiya é traduzida como firmamento na versão King James. Ela aparece um total de 17 vezes no Antigo Testamento, com mais da metade das ocorrências (nove vezes) só no capítulo 1 de Gênesis. A palavra é um substantivo que deriva da raiz hebraica rq’, que significa esmagar. Um exemplo dessa ação é prensar ou pisar um metal em folhas finas. Essa é uma prática comum com o ouro, porque ele é muito maleável. Douração é o processo de aplicar a folha de ouro aos objetos, dando a impressão de que os objetos são de ouro puro. Por exemplo, a Arca da Aliança foi dourada com folha de ouro sobre madeira de acácia (Êxodo 25:10-11). A folha de ouro pode ser pisada ou esticada tão fina que luz intensa pode ser vista através dela. A partir do significado desta palavra, podemos deduzir que raqiya é algo que foi pisado ou estendido.

Infelizmente, algumas pessoas argumentam que, uma vez que essa é uma ação frequentemente feita a um metal, a coisa sendo estendida deve ter alguma propriedade física em comum com os metais. Os metais muitas vezes são sólidos, então, de acordo com esse raciocínio, a raqiya deve ser sólida. Esse é, certamente, o sentido da palavra arcaica inglesa “firmamento,” que tem uma raiz em comum com a palavra “firme.” No entanto, este é o significado pretendido? Nem todos os metais são sólidos; e o ouro, que está envolvido no melhor exemplo que ilustra a raiz hebraica a partir da qual o substantivo hebraico raqiya vem, definitivamente não é sólido. Portanto, é questionável se a raqiya é algo que é sólido. É mais provável que o significado pretendido de raqiya esteja relacionado ao processo de esmagamento, não uma propriedade física do objeto submetido ao processo. O processo tem o efeito de espalhar uma substância, ou possivelmente tornar a substância fina. É por isso que muitas traduções mais modernas da Bíblia traduzem raqiya como “expansão” em vez de “firmamento.”

O primeiro uso da palavra raqiya na Bíblia provavelmente é útil para decifrar seu significado. Este é encontrado em Gênesis 1:6, o início do relato da criação do Segundo Dia. O relato da criação do Segundo Dia começa com a declaração de Deus de que haja uma raqiya para dividir as águas das águas. O versículo seguinte nos diz que Deus criou a raqiya e dividiu as águas que estavam abaixo da raqiya das águas que estavam acima da raqiya. Deste modo, a palavra raqiya aparece três vezes neste versículo. Antes de declarar o fim do Segundo Dia em Gênesis 1:8, Deus chamou a raqiya “céus.” Logo, a palavra hebraica raqiya aparece cinco vezes no relato do Segundo Dia.

Há várias observações que podemos fazer a partir desta passagem. Em primeiro lugar, as águas que Deus dividiu foram as águas mencionadas em Gênesis 1:2. É claro que as águas que Deus separou abaixo devem se referir à água superficial (principalmente oceanos) na Terra. Mas quais são as águas acima da raqiya? A forma como respondemos esta pergunta vai depender do que entendemos que é a raqiya. Note que Deus equipara a raqiya com o céu. A palavra hebraica shamayim é traduzida como “céus” na maioria das mais de 400 vezes que ocorre no Antigo Testamento, como está aqui.

Interpretando a Escritura em termos de Escritura, encontramos o reforço da equiparação da raqiya com o céu. Pelo menos onze versículos do Antigo Testamento falam de Deus estendendo os céus (Jó 9:8; Salmos 104:2; Isaías 40:22; 42:5; 44:24; 45:12; 48:13; 51:13 Jeremias 10:12; 51:15; Zacarias 12:1). No Segundo Dia, Deus criou a raqiya, algo que é espalhado ou estendido. Além disso, Deus chamou a raqiya “céus.” O estendimento dos céus provavelmente se refere a quando Deus criou a raqiya.

O céu geralmente é entendido como estando acima de nós. Dependendo do contexto, a palavra pode se referir ao que está imediatamente acima de nós, onde pássaros voando, nuvens e chuva estão. Também pode se referir à região dos corpos astronômicos. Finalmente, muitas vezes se refere à morada de Deus. “Céu” tem todos esses significados, tanto no uso moderno quanto na Bíblia. Raqiya se refere a todos esses significados, ou apenas a alguns desses significados?

Os outros aparecimentos da palavra raqiya no relato da criação em Gênesis 1 podem ajudar a responder a esta pergunta. O próximo uso da palavra raqiya está no relato do Quarto Dia da criação (Gênesis 1:14-19), onde aparece três vezes. Cada vez ela aparece em combinação com a palavra hebraica shamayim. A melhor forma de expressar esse relacionamento em inglês é com a frase preposicional, “expansão do céu.” Essa construção enfatiza, para que não haja qualquer dúvida, que a coisa mencionada no relato do Quarto Dia é o que Deus fez no Segundo Dia. Em Gênesis 1:14, Deus ordenou que houvesse luminares no firmamento do céu. Gênesis 1:15 expande a ordem de que sejam luminares no firmamento do céu. Gênesis 1:17-18 declara que Deus criou os luminares e os colocou no firmamento do céu. Está claro aqui que os luminares são os corpos celestes, os luminares maior e menor, e as estrelas também (Gênesis 1:16). Portanto, o firmamento do céu (a raqiya) é onde Deus colocou os corpos celestes ou astronômicos. Hoje chamaríamos isso de espaço sideral, ou simplesmente espaço.

A propósito, alguns terraplanistas parecem fazer uma distinção aqui que é injustificada. Eles argumentam que as estrelas estão fixadas em um domo acima da Terra (a raqiya), mas defendem que o Sol e a Lua (os luminares maior e menor) estão abaixo do domo, entretanto acima da Terra (isso está em conformidade com a maioria das cosmologias da Terra plana hoje). Isso exige distinguir artificialmente as estrelas dos luminares maior e menor em Gênesis 1:17, de modo que apenas os luminares maior e menor são colocados (isto é, dentro) da raqiya em Gênesis 1:17, enquanto as estrelas são efetivamente colocadas na superfície da raqiya. Terraplanistas que adotam essa distinção sugerem que a frase “no firmamento do céu” de Gênesis 1:17 (e possivelmente Gênesis 1:14-15 também) deve ser entendida como “dentro do firmamento do céu.” Isto é, Deus colocou o Sol e a Lua dentro do firmamento, tanto quanto se poderia colocar um objeto dentro de um recipiente, tal como uma caixa.  A caixa não indica a localização do objeto, mas somente contém o objeto. Entretanto, o texto hebraico (e até mesmo o texto em inglês) não permite isso. O pronome plural masculino do versículo 17 remete ao Sol, à Lua e às estrelas coletivamente, e o verso não distingue quanto à sua colocação. A compreensão mais natural do relato da criação do Quarto Dia é que todos os corpos celestes estão localizados na raqiya. Novamente, hoje chamamos isso de espaço.

Até que ponto a Terra faz a raqiya se estender? O último uso da palavra em Gênesis 1, no relato da criação do Quinto Dia, é útil para responder a esta pergunta. Ao descrever a criação dos seres voadores, Gênesis 1:20 usa a frase “expansão do céus” para descrever onde eles voam. Embora esta frase seja a mesma de seus três aparecimentos no relato do Quarto Dia, a formulação antes desta frase é diferente.  O hebraico literalmente afirma que os pássaros foram voar “sobre a face da expansão dos céus.” Isso poderia significar que os pássaros voam neste lado do firmamento do céu ou no lado próximo do firmamento do céu. Se o primeiro, então, a raqiya pode não se estender até onde os pássaros voam. Se o último, pode incluir onde os pássaros voam. De qualquer maneira, a raqiya parece incluir o que hoje chamaríamos de espaço sideral e muito, se não tudo, da atmosfera terrestre. Tenha em mente que a distinção entre a atmosfera da Terra e o espaço sideral é de origem moderna. Além disso, mesmo na linguagem de hoje, não há uma delineação clara sobre onde a atmosfera termina e o espaço começa. Nem o entendimento moderno nem o antigo está necessariamente certo ou errado; eles são apenas diferentes.

O próximo uso da palavra raqiya (a décima vez no Antigo Testamento) não ocorre até Salmos 19:1. O significado ali é condizente com o que concluí de Gênesis 1. O paralelismo comparativo das duas afirmações do Salmo 19: 1 indica que raqiya e shamayim são a mesma coisa, algo que Gênesis 1:8 já equiparou. Além disso, o Salmo 19:4-6 descreve o movimento do Sol nos céus (equivalente à raqiya), reforçando ainda mais o entendimento captado de Gênesis 1.

E sobre as sete vezes restantes que a palavra hebraica raqiya aparece no Antigo Testamento fora de Gênesis 1 e Salmo 19? A palavra aparece mais uma vez nos Salmos, no Salmo 150:1, que se lê, na versão King James:

“Louvai ao Senhor. Louvai a Deus no seu santuário: 
louvai-o no firmamento do seu poder.”


Como a ordem das palavras é diferente em diferentes idiomas, algumas passagens, como por exemplo esta, podem ser difíceis de traduzir. Os tradutores da King James tentaram seguir a ordem das palavras em hebraico neste versículo. Consequentemente, as duas palavras finais, “seu poder,” referem-se claramente a Deus, embora isso seja um pouco estranho em inglês. A Versão Padrão Inglesa (English Standard Version) alterou ligeiramente a ordem das palavras, de modo que a frase final se lê, “seus poderosos céus.” Ou seja, a palavra "poderoso", sinônimo de poder, modifica a raqiya, em vez de ser descritivo de Deus (note também que a ESV traduziu raqiya como "céus" aqui, talvez com base em Deus chamando a raqiya "céus" em Gênesis 1:8). Esta tradução muda o significado, mas essa diferença de significado é consequente? Deus criou a expansão, portanto, se a expansão é poderosa, Deus é ainda mais poderoso. No entanto, a versão King James provavelmente é a tradução correta, ainda que a ordem das palavras seja estranha. Na Nova Tradução Inglesa, a segunda parte deste versículo diz: "Louvai-o no céu, o qual testifica da sua força!" Esta formulação, embora diferente da King James, expressa mais claramente o significado pretendido pela versão King James. Além disso, esta interpretação é condizente com o significado muito claro do Salmo 19:1.

A palavra raqiya aparece uma vez no livro de Daniel. O contexto é estabelecido em Daniel 12:1-2 conforme o eschaton, quando a ressurreição dos mortos ocorrerá, uns para a vida eterna e outros para o castigo eterno. Na versão King James, Daniel 12:3 diz:

"Os que forem sábios, resplandecerão como o brilho do firmamento; 
e os que converterem a muitos para a justiça como as estrelas 
para sempre e eternamente."


Observe o paralelismo contido nestes dois símiles separados por um ponto e vírgula e a conjunção "e". Claramente, os "sábios" do primeiro símile e "os que convertem a muitos para a justiça" do segundo símile são as mesmas pessoas, reforçando pelo menos uma equivalência aproximada entre as coisas a que eles são comparados.  O primeiro símile diz que o sábio brilhará como o brilho da raqiya. No segundo símile, as palavras "brilhar" e "brilho" são omitidas; mas essas palavras estão implícitas, o que reforça ainda mais o paralelismo. De fato, as pessoas que convertem muitos para a justiça são comparadas às estrelas, que brilham intensamente. Além disso, a partir do relato da criação do Quarto Dia de Gênesis 1, sabemos que as estrelas estão localizadas na raqiya. Portanto, a raqiya de Daniel 12:3 refere-se claramente à mesma coisa encontrada em Gênesis 1 e Salmo 19:1.

Os últimos cinco aparecimentos da palavra raqiya estão em Ezequiel, quatro vezes no primeiro capítulo e uma vez no capítulo 10. Ezequiel 1:1-3 define a cena: Ezequiel estava com outros exilados junto ao canal Quebar (ou rio) quando os céus se abriram e ele contemplou uma visão. A indicação é que os companheiros de Ezequiel não enxergaram a visão, mas ele só. Ou Deus transportou Ezequiel para o céu, onde ele literalmente viu as coisas de sua visão ou Deus as revelou para ele, tanto como o que alguém pode experimentar em um sonho. Não sabemos ao certo, mas, dada a descrição, o último parece mais provável. Além disso, a visão de Ezequiel 11 claramente é do último tipo (Ezequiel 11:1,24).

As primeiras coisas que Ezequiel viu foram quatro criaturas viventes que se assemelhavam aos homens, mas cada uma tinha quatro faces. Cada criatura tinha pés e asas e uma roda. As criaturas se moviam em conjunto, e conforme se moviam, as rodas iam com elas. Ezequiel descreveu as criaturas como brilhantes e coloridas (Ezequiel 1:7, 13, 16). Ao longo da descrição de Ezequiel de sua visão, ele repetidamente usou as palavras "como" e "semelhança". Claramente, Ezequiel teve dificuldade em descrever o indescritível, então ele expressou o que viu em termos de coisas familiares para ele. Como tal, é inadequado levar essas comparações literalmente. Em Ezequiel 1:22, o profeta registrou que acima das cabeças das quatro criaturas havia alguma coisa semelhante a uma raqiya. Novamente, observe o uso do símile: Ezequiel não disse que era uma raqiya, mas que era como uma raqiya. Por outro lado, o que Deus fez no Segundo Dia não era como uma raqiya; era uma raqiya. Dada a dificuldade que Ezequiel teve ao descrever o que viu, não podemos ter certeza do que era exatamente essa expansão. Uma possibilidade é que era meramente um espaço, ou abertura, entre as quatro criaturas e o que estava acima. O que estava acima? Ezequiel 1:23 descreve as quatro asas da criatura debaixo da expansão. Ezequiel 1:25 registra que uma voz veio de cima da expansão, e Ezequiel 1:26 afirma que havia algo como um trono acima da expansão. A partir de Ezequiel 1:28, sabemos que este é o trono de Deus. Portanto, essa abertura poderia ter sido entre as criaturas e o trono de Deus.

Entretanto, existe outra possibilidade. Ezequiel 1:22 compara a aparência dessa expansão a um "cristal". A King James usa a frase "cristal terrível". Infelizmente, a palavra "terrível" mudou de significado nos últimos quatro séculos. Seu significado original é melhor traduzido hoje como "impressionante" ou "imponente". De fato, várias traduções modernas do inglês usam a palavra "impressionante". (Curiosamente, a Bíblia de Genebra, que é anterior à versão King James, usa a palavra "maravilhoso", que ainda é interpretada bem hoje). O que significa ser um cristal? É preciso ter cuidado, porque as definições modernas e antigas são diferentes. No mundo antigo, um cristal era qualquer substância que fosse sólida e transparente. Exemplos incluem vidro, quartzo, sal-gema, diamante e outras pedras preciosas que transmitem luz. Com exceção do vidro, esses cristais tinham facetas de ocorrência natural. No entanto, o vidro, particularmente o vidro de chumbo, pode ser cortado para produzir facetas.

Hoje, definimos um cristal como uma substância tendo uma matriz ordenada de átomos ou moléculas. Essa matriz ordenada é responsável pela clivagem natural ao longo das facetas dos cristais (seguindo a definição antiga). Quase todas as substâncias sólidas têm uma estrutura de cristal, de modo que a maioria dos cristais (no sentido moderno) não são transparentes. É importante que entendamos a palavra no sentido antigo, não no sentido moderno. A palavra traduzida aqui como "cristal" em outra parte no Antigo Testamento é traduzida como "gelo". No sentido antigo, o gelo teria sido considerado um cristal, porque era duro e transparente. No sentido moderno, o gelo é também um cristal, porque possui uma estrutura cristalina hexagonal. Quer no sentido moderno ou no sentido antigo, devemos ver essa expansão que Ezequiel descreveu como um cristal literal? Provavelmente não. Ezequiel comparou o que viu a uma expansão, mas, além disso, comparou sua aparência a um cristal, sendo a ênfase na luz que emitia. Isto é, brilhava, incandescia, reluzia ou tinha uma coloração como um cristal. Podemos descrever o que Ezequiel viu como uma aura.

Uma visão posterior começa em Ezequiel 8, com Ezequiel 10 sendo uma parte dessa visão. Ezequiel 10:1 menciona uma raqiya acima das cabeças dos querubins com o que parecia ser um trono acima. Que isso soa similar à Ezequiel 1, soa. A descrição dos querubins em Ezequiel 10:9-14 é semelhante à descrição das quatro criaturas viventes em Ezequiel 1:5-21. De fato, Ezequiel declara duas vezes que esses querubins eram os mesmos que as quatro criaturas viventes que ele vê em sua visão junto ao canal Quebar (Ezequiel 10:15, 20-22). Para reiterar, as raqiyas dos capítulos 1 e 10 de Ezequiel não são as raqiyas encontradas em outras partes no Antigo Testamento. É um erro igualar displicentemente esses dois significados muito diferentes.

Ambos, céticos e terraplanistas erram nesse ponto. Desatento dessa distinção, é muito fácil pensar que aquilo que Ezequiel descreveu como sendo semelhante a uma raqiya é a mesma raqiya que Deus criou no Segundo Dia e, consequentemente, obtém propriedades da última a julgar pela precedente. Com as muitas semelhanças entre as visões de Ezequiel brevemente discutidas acima e a descrição do apóstolo João de parte de sua visão em Apocalipse 4:6-8, o problema é agravado pela captação de propriedades da raqiya do Segundo Dia da qual o livro de Apocalipse nos diz. Por exemplo, Apocalipse 4:6 afirma que, diante do trono de Deus, havia um mar de vidro, como cristal. Supondo que este mar de vidro está abaixo do trono de Deus, e observando que Ezequiel mencionou o trono de Deus acima de uma expansão (Ezequiel 1:26; 10:1), pode-se concluir que a expansão de Ezequiel e o mar de vidro de João são a mesma coisa, vista de lados opostos. Mas, se alguém comparar cada menção da raqiya no Antigo Testamento, deduz que o mar de vidro de João é a raqiya que Deus criou no Segundo Dia. Para muitos que aderem ao globo de neve, isso está perfeitamente alinhado com Isaías 66:1, que diz que o céu é o trono de Deus e a Terra é o escabelo de seus pés. Ou seja, no modelo do globo de neve, Deus senta-se logo acima do domo sobre a Terra plana.

Para aqueles que insistem em levar tudo na Bíblia como estupidamente literal, tal tipo de leitura fica repleta de problemas. Por exemplo, Isaías 66:1 declara que o céu é o trono de Deus, mas Ezequiel e João deixaram claro que o trono de Deus está no céu. Os dois não podem ser literalmente verdadeiros. Além disso, Deus é espírito (João 4:24) e, portanto, não possui um corpo físico. Os muitos exemplos de antropomorfismos na Bíblia, sugerindo coisas como Deus tendo mãos (Salmos 8:3, Isaías 66:2) ou olhos (Provérbios 15:3) claramente não são literais. Há também uma inconsistência no argumento da Terra plana aqui. Terraplanistas acreditam que o firmamento é um domo transparente sobre a Terra e, portanto, é curvo. Por outro lado, nenhum corpo de água é curvo, mas pelo contrário todos os mares têm superfícies planas. Mas João descreveu um mar de vidro que, por qualquer outro uso, deve ser plano, então por que esse é curvo?

Os terraplanistas usam um versículo mais que não contém a palavra raqiya, mas uma palavra relacionada. É Jó 37:18, onde Eliú perguntou a Jó:

"Estendeste com ele o céu, que é forte, e como um visor derretido?"

Há várias razões pelas quais é preciso ter cuidado na captação do significado deste versículo. Primeiro, este versículo está dentro de uma unidade textual (Jó 37:14-18), que usa poeticamente os fenômenos climáticos para ilustrar o poder esmagador e a sabedoria de Deus —­­portanto, ensinar cosmologia não é o ponto. Em segundo lugar, essas são as palavras de Eliú, não de Deus. Embora a Bíblia seja inspirada, nem tudo registrado nela é necessariamente verdadeiro. Esse é um registro verídico do que Eliú disse, porque Deus considerou conveniente preservar o discurso de Eliú, mas isso não significa que Eliú falasse infalivelmente. Então, se as palavras de Eliú contêm informações cosmológicas, elas apenas refletem seu entendimento e não necessariamente a realidade. Em terceiro lugar, o livro de Jó contém linguagem e expressões idiomáticas que são exclusivas dele, e muitas são difíceis de traduzir. Além do mais, Jó, sendo poesia hebraica antiga, evidencia muitos exemplos de imagens e linguagem fenomenológica. Jó 37:18 contém um caso de imagens particularmente desafiador.

Observe que a palavra "céu" aparece neste versículo em vez de "firmamento". Isso acontece porque a palavra hebraica raqiya não está no texto, mas sim shachaqim (o plural de shachaq) é usada. O que esta palavra hebraica significa? Ela aparece em suas várias formas 21 vezes no Antigo Testamento. Aparece cinco vezes no livro de Jó, como o faz em Jó 37:18.  Nas outras quatro ocorrências, a versão King James a traduz como "nuvens" (Jó 35:5; 36:28; 37:21; 38:37). Note que um destes outros quatro versículos (Jó 37:21) está dentro do contexto literário imediato do discurso de Eliú. Além disso, dentro desse mesmo contexto, Eliú usa duas outras palavras hebraicas para descrever as nuvens (anan em 37:15 e ab em 37:16). Portanto, shachaqim em Jó 37:18 provavelmente deveria ser traduzida como "nuvens" também. Desta maneira, Eliú aqui nem sequer aborda a cosmologia; se alguma coisa, ele está comentando sobre fenômenos climáticos.

E o termo "visor"? Este é um termo arcaico para espelho, e as traduções mais modernas o traduzem como tal. A palavra "derretido" é um pouco confusa, porque hoje podemos pensar disso como estando em um estado quente e líquido. Nos tempos antigos, espelhos eram feitos de metal polido, normalmente bronze. Os espelhos eram fabricados por fundição, então, durante a fundição estavam derretidos, mas, quando em uso, estavam solidificados. A terminologia aqui provavelmente se refere a como o espelho foi fabricado, então hoje seria melhor traduzido como um "espelho fundido" (como em muitas traduções modernas da Bíblia).

E quanto à frase "que é forte"? A versão King James modificou a palavra céu (ou, como vimos, a palavra que deveria ser traduzida como "nuvens"). Entretanto, no texto hebraico, a frase subjacente à tradução ("que é forte") modifica a palavra traduzida "visor/espelho". Como tal, Eliú não está dizendo que o céu (ou nuvens) é forte, mas sim está comparando-o em aparência a um espelho forte (firme ou rígido). Isso faz sentido, pois até hoje nos referimos a condições severamente nubladas como um "céu de chumbo". Claramente, Eliú não está falando sobre um domo sólido sobre a Terra.

Discussão

A partir desta breve avaliação de passagens relevantes do Antigo Testamento, não há evidências claras de que a raqiya é um domo sólido sobre a Terra. Em vez disso, a raqiya provavelmente é o que hoje chamamos de espaço e grande parte da atmosfera terrestre. Além disso, passagens bíblicas que supostamente indicam que a Terra é plana não fazem tal coisa. Sendo assim, por que terraplanistas e céticos pensam que a raqiya é um domo rígido que envolve uma Terra plana? O desenvolvimento dessa falsa ideia tem uma longa história, que só posso resumir brevemente aqui.

A Septuaginta foi uma tradução do Velho Testamento do século III a.C. do hebraico para o grego. A necessidade dessa tradução foi que muitos judeus da época já não podiam falar ou ler em hebraico. Isso foi particularmente verdadeiro para os judeus da diáspora, dos quais muitos viviam em Alexandria, no Egito, onde a tradução da Septuaginta foi feita. Alexandria foi uma grande cidade grega e era um centro de aprendizado e cultura grega. Consequentemente, o povo de Alexandria, incluindo os judeus, foram fortemente helenizados; e portanto os judeus de Alexandria estavam familiarizados com a ciência então atual.

A cosmologia grega da época defendia uma Terra esférica concêntrica dentro de uma esfera sólida e transparente muito maior na qual as estrelas estavam afixadas (a esfera celeste). O Sol, a Lua e cinco planetas visíveis a olho nu moviam-se em esferas menores dentro da esfera celeste. A palavra grega steréoma, referente a algo rígido, foi usada para descrever a esfera celeste. Uma vez que os judeus helenizados da época estavam cientes dessa cosmologia, não é por acaso que a Septuaginta traduziu a raqiya como steréoma, aparentemente na tentativa de acomodar a cosmologia de seus dias. Os primeiros escritos judaicos conhecidos que abordam a cosmologia são do período medieval e refletem a cosmologia medieval descrita acima. Por isso, não temos conhecimento em que cosmologia específica os hebreus antigos acreditavam. Todavia, a palavra grega que os tradutores da Septuaginta escolheram é um forte indício sobre o que, pelo menos, os judeus helenizados do mundo antigo pensavam. Provavelmente, era uma Terra esférica centrada na esfera celeste. Isso é muito diferente de um domo arqueado sobre uma Terra plana que os terraplanistas promovem.

Vários séculos após a tradução da Septuaginta, Jerônimo traduziu o Antigo Testamento e o Novo Testamento para o latim. Jerônimo selecionou a palavra latina firmamentum para traduzir raqiya, uma palavra análoga à palavra grega steréoma. O modelo rígido e transparente da esfera celestial dos antigos gregos ainda era a cosmologia dominante nos dias de Jerônimo. Portanto, ele acomodou essa cosmologia e endossou a interpretação da Septuaginta sobre o assunto. Muito mais tarde, os tradutores das primeiras versões inglesas da Bíblia somente transliteraram a escolha de Jerônimo para o inglês como "firmamento". Isso tem causado problemas desde então, porque as pessoas reconhecem a palavra "firme" dentro dessa palavra e presumem que a raqiya deve ser algo rígido. Entretanto, como já vimos, em vez de se referir a alguma coisa necessariamente rígida, a palavra raqiya provavelmente se refere a algo que foi estendido. É por isso que muitas traduções inglesas modernas traduzem a raqiya como "expansão". Esta é uma boa tradução, porque chega ao coração do que é o provável significado pretendido de raqiya. Algumas traduções modernas traduzem raqiya como "céu". Esta também é uma boa tradução, porque o céu que vemos acima de nós inclui o provável significado da raqiya, conforme discutido anteriormente.

É uma crença comum hoje que a cosmologia apresentada na Bíblia é a de um domo rígido sobre a Terra sustentada por pilares. Claramente, isso está em desacordo com os fatos.

Primeiro, a Bíblia não ensina explicitamente nenhuma cosmologia. Em vez disso, pode-se juntar certas passagens para resolver qual possível cosmologia pode estar lá, mas é preciso ter cuidado para não ler essas interpretações de passagens provenientes de fontes externas.

Nossa abordagem deve ser a exegese, extraindo da Escritura qual é o provável significado, ao invés de eisegese, interpretando um significado na Escritura. Como veremos, uma abordagem eisegética foi o que levou à crença equivocada de que a Bíblia ensina um domo sólido sobre a Terra. Reconheço que não sou imune a essa dificuldade, mas, pelo menos, admitir a tentação de interpretar a Escritura através da lente de fatores externos torna possível estar em guarda. Deixe-me enfatizar novamente que a Bíblia não endossa explicitamente nenhuma cosmologia. Isso é bom, e é condizente com a sabedoria de Deus. Se Deus tivesse endossado nas Escrituras uma cosmologia antiga, aqueles que acreditavam em alguma outra cosmologia antiga teriam descartado a Bíblia com base em que a cosmologia da Bíblia estava errada. Certamente, o homem moderno faria esse argumento, porque as cosmologias modernas diferem de todas as cosmologias antigas. Mas e se Deus tivesse endossado a cosmologia moderna? Então, as pessoas até tempos relativamente recentes teriam descartado a Bíblia, porque, em suas mentes, ela ensinava a cosmologia errada.

Em segundo lugar, embora não seja uma fonte inspirada, Josefo frequentemente reflete o pensamento dos judeus no primeiro século d.C. Josefo viveu em Israel, não em Alexandria, mas seus escritos mostram evidências da helenização. Uma vez que sua seita foi a única a sobreviver à perseguição e destruição que vieram em 70 d.C., sua obra passou a ser reconhecida como representando os judeus de seu tempo. Contudo, Josefo distorceu as ideias das outras seitas e apresentou sua própria seita com o melhor aspecto possível. Esse tipo de distorção se estendeu até a sua apresentação das crenças religiosas das outras seitas. Deste modo, devemos ter muito cuidado ao usar Josefo. Com essa ressalva, o que os escritos de Josefo revelam sobre a cosmologia entre pelo menos alguns dos judeus antigos? Seu relato da criação do Segundo Dia é condizente com a cosmologia grega de seu tempo, mas não com a cosmologia do domo arqueado.

Em terceiro lugar, a cosmologia do Ocidente ao longo do período medieval foi a dos gregos antigos, não um domo arqueado sobre uma Terra plana. Foi dentro dessa cosmologia que o astrônomo do segundo século d.C., Cláudio Ptolomeu, desenvolveu seu modelo para explicar os movimentos dos planetas. O modelo ptolomaico foi derrubado (juntamente com os outros elementos da cosmologia grega antiga) há apenas quatro séculos a favor de cosmologias mais modernas, como a teoria heliocêntrica.

Se o domo arqueado não é a cosmologia da Bíblia, como tanta gente chegou a pensar que era? Essa ideia surgiu como resultado de três acontecimentos no século XIX. 

Primeiramente, a arqueologia moderna começou de fato no século XIX. Interpretações de escavações iniciais no Oriente Próximo indicaram uma cosmologia de domo arqueado, a partir da qual os arqueólogos e historiadores concluíram erroneamente que esta era a antiga cosmologia do Oriente Próximo.

Segundo, a hipótese documentária propôs que o Pentateuco foi escrito muito depois do que o tempo de Moisés (e muitos de seus proponentes duvidam se Moisés existiu mesmo). De acordo com a hipótese documentária, quatro documentos diferentes surgiram na primeira metade do primeiro milênio a.C., e essas fontes foram redatadas muito mais tarde, durante o período intertestamentário. Supostamente, os judeus pegaram grande parte de sua cosmologia, cosmogonia e história inicial a partir das antigas culturas do Oriente Próximo, e estas estão refletidas nos relatos da criação e dilúvio de Gênesis. Por isso, tornou-se moda interpretar as passagens bíblicas em termos da suposta cosmologia dominante do domo arqueado.

Terceiro, a tese do conflito afirmou que o cristianismo impediu o desenvolvimento do pensamento durante toda a Idade Média, até que o homem, alegadamente, foi liberto das restrições da Bíblia durante a Renascença, em que a razão do homem permitiu uma renovação no aprendizado. Parte do caso criado contra o cristianismo como parte da tese do conflito foi que a igreja e a Bíblia ensinaram que a Terra era plana e estava rodeada por um domo arqueado. Conforme demonstrado em outra parte, a igreja nunca ensinou que a Terra é plana. Uma mentira tão patente deve pôr em dúvidas a alegação sobre o domo arqueado sendo a cosmologia bíblica também. A gravura de Flammarion é uma representação muito famosa do domo arqueado sobre a Terra plana. A maioria das pessoas pensa que essa é uma obra de arte medieval, mas data da década de 1880. É dificultoso encontrar quaisquer representações medievais da suposta cosmologia do domo arqueado/Terra plana da Bíblia porque isso não era acreditado na Idade Média. A influência da gravura de Flammarion, tal como utilizada pelos promotores da tese do conflito, não pode ser superestimada. Essa representação parece ter feito mais do que qualquer outra coisa promover a falsa noção de que a cosmologia medieval era um domo arqueado sobre uma Terra plana.

O domo arqueado nem sequer foi a cosmologia dominante no antigo Oriente Próximo. Escavações e estudos posteriores revelaram uma infinidade de cosmologias antigas do Oriente Próximo. Se alguém deseja interpretar a cosmologia da Bíblia em termos da cosmologia do antigo Oriente Próximo, então primeiro deve decidir qual cosmologia usar. Infelizmente, muitos estudiosos da Bíblia hoje têm sido enganados pela tese do conflito ao pensar que a cosmologia da Bíblia é a de um domo arqueado sobre uma Terra plana, o que levou a muitas representações do século XX e XXI de uma Terra plana com um domo arqueado acima, apoiada por pilares. Entretanto, tais representações começaram a aparecer no século XIX, após o dano causado pela tese do conflito. Essa linha de pensamento tem ganhado muita força nos últimos anos. Por exemplo, a Nova Versão Internacional da Bíblia, lançada pela primeira vez em 1984, traduziu originalmente a raqiya como "céu", mas a edição atualizada publicada em 2011 a traduziu como "abóbada". Novamente, essa falsa compreensão da cosmologia bíblica por alguns estudiosos da Bíblia (estudiosos que, de modo geral, têm sido enganados pela tese do conflito) é relativamente recente.

Para agravar o problema, os cristãos que endossam a Terra plana usam descrições de teólogos contemporâneos que retratam erroneamente a cosmologia bíblica como uma Terra plana sob um domo arqueado como evidência do que a Bíblia ensina. Portanto, são duas vezes vítimas da tese do conflito, uma em abraçar uma Terra plana, e mais uma vez em aceitar a falsa cosmologia do domo arqueado. De novo, esse conceito de cosmologia bíblica não veio de fontes antigas, mas, pelo contrário, surgiu no final do século XIX como uma tentativa de desacreditar a Bíblia. Aqueles que apoiam a Terra plana acreditando que isso é o que a Bíblia ensina caíram em uma armadilha. Ironicamente, embora aparentemente motivados para defender a Bíblia, têm sido enganados ao usar os mesmos falsos argumentos que os céticos usam.

Conclusão

Aqui, eu examinei as passagens bíblicas que terraplanistas geralmente usam para alegar que a Bíblia ensina que a Terra é plana. Há outras passagens que terraplanistas ocasionalmente usam. Contudo, a frequência de uso dessas passagens é muito menor do que os versículos que discuti aqui. Além disso, esses versos restantes geralmente requerem a suposição de que a Terra é plana, para começar. Uma vez que essas passagens mais importantes, frequentemente citadas são descartadas como ensinando uma Terra plana, os poucos versículos restantes provavelmente não importam. Dependendo da reação a este artigo, posso utilizar essas outras passagens mais tarde. Claramente, a Bíblia não ensina que a Terra é plana. Foram os céticos da Bíblia que introduziram essa falsa alegação no século XIX. É uma vergonha que crentes professos da Bíblia recentemente tenham abraçado esse falso argumento e passado a promover a Terra plana. Quando combinada com os muitos problemas científicos e observacionais, a teoria da Terra plana é desacreditada.

O modelo de Terra do globo de neve exige que a Terra fique imóvel. Por isso, terraplanistas são geocentristas, e muitos deles também apoiam sua posição com passagens bíblicas que, supostamente, ensinam que a Terra é estacionária. Antes do recente aumento do interesse na Terra plana entre os cristãos conservadores, já houve um movimento geocêntrico usando muitos dos mesmos argumentos que terraplanistas usam agora. Embora geocentristas clássicos e terraplanistas concordem com a questão de se a Terra se move, discordam fortemente sobre o formato da Terra. Anteriormente escrevi sobre o geocentrismo e discuti algumas das passagens bíblicas que supostamente ensinam o geocentrismo. Talvez em um futuro artigo eu reveja o assunto do geocentrismo e as supostas passagens bíblicas que o apoiam.

Traduzido por Esther Kochav do original em inglês do AnswersinGenesis: Does the Bible Teach that the Earth is Flat?


A DEUS TODA GLÓRIA

29 fevereiro 2016

A GRANDE AMEAÇA AOS "DESIGREJADOS"

Um alerta contra os papas virtuais 

Por Alan Capriles

Sempre tive simpatia pelos desigrejados, um fenômeno cristão relativamente recente, o qual parece continuar crescendo. Para quem não sabe, um verdadeiro desigrejado não é um crente desviado, mas sim um cristão autêntico que, a contra gosto, precisou deixar a igreja onde congregava quando esta se desviou do evangelho. Sei que isso parece uma contradição - uma igreja se desviar do evangelho - mas é o que tem ocorrido em diversos lugares do Brasil e do mundo.

Muitos pastores tem trocado a simplicidade do evangelho de Cristo pela sedutora "teologia da prosperidade", ou pelo pragmático sistema G12 e suas variantes, ou por atraentes espetáculos durante os cultos, ou por esquisitices atribuídas ao Espírito Santo, ou ainda por tudo isso junto e sabe-se lá mais o quê! Acredito que muitos pastores não façam isso por mal, mas apenas porque foram sutilmente contaminados pelo ensino errôneo de outros pastores mais famosos. De fato, grande parte dos programas que estão na chamada mídia gospel,  bem como de livros que se dizem evangélicos, têm servido mais à propagação de heresias do que para nos edificar na verdade. Pastores brasileiros renomados, que outrora eram conhecidos pela fidelidade bíblica, passaram a pregar e ensinar um outro evangelho, geralmente importado das megaigrejas estrangeiras. E assim, "pacotes" de sucesso numérico e financeiro tem sido adotados por muitos pastores que,  no afã de fazer crescer e enriquecer sua igreja, copiam as pregações e a dinâmica das igrejas que, segundo eles, deram certo. E tais novidades, que não tem respaldo bíblico (e que geralmente são antibíblicas) passam a ser empurradas pela goela abaixo das ovelhas.   

Todo esse mal tem se alastrado como câncer por muitas igrejas evangélicas do nosso país, causando tristeza e frustração naqueles que almejam permanecer fiéis à palavra de Deus. E quase sempre a história se repete: esses irmãos deixam a igreja na qual congregaram por anos, em busca de alguma igreja que não tenha se corrompido, para então descobrir que todas ao seu redor também estão assim, desviadas do evangelho. O que fazer então? Aqueles que saíram sozinhos costumam permanecer solitários, tentando alimentar-se através da leitura bíblica individual e de certas pregações pela internet. Mas outros, que saíram em grupo, decidem continuar se reunindo toda semana, geralmente na casa de um deles - não para iniciar uma nova denominação, mas simplesmente para se manter a edificação mútua e o cuidado de um para com o outro. A meu ver, isso é ser igreja em sua essência. Ou seja, se a compreensão do evangelho for buscada em oração e plena confiança no Espírito Santo, não haverá problemas, mas uma igreja saudável, que crescerá em Cristo.

O problema geralmente começa quando alguém do grupo deseja impor suas ideias e interpretações bíblicas aos demais irmãos. O diálogo respeitoso vai deixando de existir, bem como a mútua edificação ensinada por Paulo aos Coríntios (1 Cor 14:26). E, se ninguém perceber a tempo, logo essa reunião no lar se transformará em algo tão manipulador e danoso quanto o que acontecia nas igrejas de onde esses irmãos saíram.

Como se vê, o problema não está no local, mas na disposição das pessoas que se ali reúnem, seja numa casa, ou em qualquer outra edificação. Este é um ponto crucial, que precisa ser muito bem compreendido, principalmente porque alguns costumam demonizar qualquer denominação, como se o problema estivesse no fator "instituição", ou na sua edificação de alvenaria. No entanto, o verdadeiro problema não consiste em nada disso, mas reside no coração do homem, esteja este homem congregando em casa, ou numa denominação evangélica. Muitos desigrejados com quem converso reconhecem que só deixaram suas antigas denominações porque seus líderes se corromperam, deixando de ensinar na pureza e simplicidade que há em Cristo. Se assim não fosse, teriam eles permanecido na mesma congregação. Isso comprova que o problema não está na denominação em si, mas naqueles que pastoreiam, pregam e ensinam, os quais deveriam se manter sempre submissos a Cristo. Sendo assim, uma igreja não se torna mais santa só porque se reúne nos lares, assim como não se torna infiel só porque se reúne num prédio. Tudo dependerá da sincera devoção a Cristo de quem está se reunido, seja lá onde for. 

Todavia, não bastasse o risco de que alguém do pequeno grupo queira dominar sobre os demais, percebo que há um perigo ainda maior sondando as igrejas nos lares. Falo dos indivíduos que se promovem pela internet com a duvidosa intenção de oferecer ajuda espiritual aos desigrejados. Não estou criticando quem se presta ao aconselhamento virtual, pois eu mesmo respondo a inúmeros e-mails de pessoas que me pedem conselhos bíblicos. Refiro-me a quem se promove às custas dos desigrejados, ou seja, colocando-se como autoridade papal sobre os mesmos. Sem muito esforço, consigo me lembrar de pelo menos cinco nomes que se tornaram famosos na internet apresentando-se como mestres desse movimento.

Assim como as megaigrejas estrangeiras, esses papinhas nacionais também oferecem seus pacotes, e com a mesma prepotência de quem se acha dono da verdade. Obviamente, eles são carismáticos, simpáticos e falam muito bem - razão pela qual conseguem seguidores. O que tais seguidores talvez não estejam percebendo é que eles saíram de um erro para cair em outro que pode ser ainda pior! Digo isso porque, via de regra, esses mestres dos desigrejados não incentivam as práticas cristãs mais básicas, tais como a constante oração, a meditação na palavra, o bom testemunho, a santificação, o cuidado com outros irmãos, a prática secreta da caridade, bem como a obediência à maioria dos ensinamentos de Cristo - o qual sempre nos exige a renúncia de nossa própria vontade. Ao invés disso, costumam ser agressivos contra quem discorda de suas posições teológicas, pois apresentam-se como sabedores de tudo, apesar de não realizarem nada de produtivo à sociedade. Além de não ensinarem o que Jesus ensinou, passam a maior parte do tempo criticando toda e qualquer denominação cristã, fomentando ódio no coração já ferido de irmãos que precisam tanto de cura. 

Desconfio que esse papas dos desigrejados nunca foram desigrejados de verdade. O que eles realmente querem é aparecer, e não fazer com que Cristo apareça. Não fosse assim, eles promoveriam os ensinamentos de Cristo e não a si mesmos, aconselhariam a que os irmãos confiem na liderança do Espírito Santo e não em sua própria liderança, passariam mais tempo ensinando a reconciliação, o perdão, enfim, a palavra de Deus, ao invés de alimentar a discórdia entre irmãos.

Espero que eu tenha sido claro. Não sou contra um verdadeiro desigrejado, alguém que realmente deseja ser fiel a Cristo, confia no Espírito Santo, e ama reunir-se com irmãos que almejam a mesma fidelidade. Mas sou totalmente contra esses papas que tentam aprisionar os desigrejados em suas denominações virtuais, como se isso fosse o verdadeiro evangelho. Não, não é. Por isso encerro minhas palavras com o mesmo alerta indignado de Paulo aos gálatas, os quais, após experimentarem a liberdade em Cristo, estavam se deixando aprisionar por uma deturpação do evangelho:

"Estai pois firmes na liberdade com que Cristo nos libertou,
e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão."
Gálatas 5:1


27 janeiro 2016

PROSPERANDO SEM A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Como manter uma igreja sem enganar os fiéis


Por Alan Capriles

Desta vez meu artigo será bastante pessoal e não há como ser de outra forma. Trata-se da minha resposta a uma carta que recebi por e-mail e que me deixou bastante comovido. Pedi autorização à remetente para que eu pudesse respondê-la por aqui, em meu blog, a fim de ajudar outros pastores que talvez estejam enfrentando a mesma situação.

“Olá, pastor Alan! Eu e meu marido fomos por 20 anos da Igreja “X” onde ele foi Pastor e por motivo de estarmos cansados de tanta cobrança financeira foi que saímos. Já estava fazendo mal para a saúde física e espiritual dele! Resumindo: saímos faz 5 meses e, como ele ama pregar e salvar as pessoas, decidiu abrir uma igreja, mas nossa maior luta é manter ela aberta, pagar o aluguel e as despesas nossas e da igreja! Pastor Alan, acompanhei seus posts e gostaria de pedir esta direção para o senhor, de como o senhor faz para manter a igreja sem a teologia da prosperidade, campanhas e tudo mais. Estou vendo esta dificuldade no meu marido; afinal, ele ficou 20 anos e não tem como sair tão cedo! Por favor, nos oriente neste caso. Como vamos fazer para pedir a contribuição das pessoas sem apelar pra estas coisas? Pois vejo que quando pedimos para as pessoas dar por amor elas não dão nada, mas se você lança um propósito ou dízimo, aí algumas dão, mas não está dando pra arcar com as despesas! Por favor, gostaria da sua ajuda pra dizer como é feita a contribuição dos fiéis aí e com que argumentos.”

A pessoa que me escreveu, a qual eu não conheço, certamente deve saber um pouco da minha história pastoral. Talvez tenha sido por meio de algumas pregações e artigos, onde deixo transparecer meu “estranho” modo de pastorear. Na verdade, não sou eu que estou contrariando a maioria das igrejas de hoje em dia, mas são muitos pastores que estão na contramão do que Jesus ensinou. Se isso for mesmo um fenômeno recente, imagino que se eu pastoreasse no século 19 não haveria nada de estranho em minhas posições.

Mesmo sendo breve, a carta que recebi nos revela uma sociedade cada vez mais consumista e individualista, onde muitos pastores têm caído na tentação de atrair esse público com a promessa de bens materiais. Por isso, parece mentira que alguém consiga manter uma igreja apenas com o evangelho de Cristo. Sim, porque o verdadeiro evangelho de Cristo nada tem a ver com ganância e avareza. Muito pelo contrário, enquanto muitos pastores hoje ensinam como acumular bens materiais, o Senhor nos ordenou a repartir o que temos com os pobres. Aos olhos de Deus, rico não é aquele que mais acumula e sim o que sempre compartilha.

Eu poderia comprovar isso através de muitos versículos bíblicos, mas já o fiz em textos anteriores, tais como “Onde está o erro na teologia da prosperidade” - um artigo que não deixa margem para contestação. Noutro post, mais antigo, relatei sobre um pastor que me convidou para pregar numa campanha de sua igreja, orientando-me a que ensinasse o povo a conquistar seu carro zero e sua casa própria. Ora, ele não conversava comigo há bastante tempo e não sabia que eu havia mudado, isto é, me convertido ao verdadeiro evangelho. No culto da referida campanha iniciei a pregação com a seguinte frase: “Quem veio aqui hoje para buscar a Deus por causa de uma casa própria, ou de um carro zero, ou mesmo de qualquer outro bem deste mundo está muito enganado com Jesus e o seu evangelho. Muito enganado!” O restante da pregação, bem como o final dessa história, pode ser lido no artigo intitulado “Quebra da maldição financeira” onde também apresento diversos versículos que contrariam a pregação gananciosa de hoje em dia.

Provavelmente, foi através desses textos que a irmã do e-mail soube que pastoreio uma igreja que prospera sem a teologia da prosperidade. Sei que não sou o único, mas nossa igreja é uma das denominações que comprova ser possível permanecer fiel a Cristo e prosperar frente ao desamor e avareza deste século. Nossa prosperidade não é a riqueza material, pois não é isso que almejamos, mas sim o nosso relacionamento com Deus por meio de Jesus Cristo, que nos enche de paz, alegria e amor ao próximo. 

A partir de agora compartilho minha resposta, na esperança de ajudar também a outros pastores que estejam dispostos a abandonar a maligna teologia da prosperidade e experimentar como Deus abençoa os que permanecem fiéis à sua Palavra. Segue o que respondi:

Prezada irmã em Cristo,

Apesar de objetiva, percebo que sua carta me dá oportunidade para comentar diversos pontos interessantes. Sendo assim, vamos por partes:

“Eu e meu marido fomos por 20 anos da Igreja “X” onde ele foi Pastor e por motivo de estarmos cansados de tanta cobrança financeira foi que saímos. Já estava fazendo mal para a saúde física e espiritual dele!”

Não duvido nem por um segundo da sinceridade que você e seu marido tiveram em servir a Cristo por mais de vinte anos na igreja que você mencionou. Por outro lado, também não acredito nem por um segundo que a pressão por ofertas mais altas possa caracterizar uma verdadeira igreja cristã. Isso me preocupa muito, pois talvez vocês não estivessem numa igreja de verdade, mas numa empresa com fachada de igreja. E talvez não tenham conhecido o genuíno evangelho da graça de Cristo, mas uma religião que barganha com Deus. Por outro lado, tenho a esperança de que vocês não tenham saído de lá somente por causa do estresse provocado por “tanta cobrança financeira” e sim porque tenham despertado espiritualmente, percebendo que tal opressão nada tem a ver com o genuíno evangelho. Eu também tive o meu despertar e foi a partir de então que decidi romper por completo com esse sistema. Lembro-me do dia em que sentei ao lado de minha esposa e desabafei com ela: “Ou passamos a viver segundo o evangelho, ou prefiro deixar o pastorado.” Como sempre, ela me apoiou a fazer o que é certo, e corajosamente fomos deixando as práticas contrárias ao que Cristo ensinou. Como pastor titular tive a vantagem de não precisar mudar de igreja - do contrário eu seria mais um desigrejado, pois eu não teria pra onde ir.[1] Por outro lado, precisei começar um longo processo (que talvez nunca termine) de ensinar a meus irmãos o que Cristo realmente nos ordenou. Parte do fruto literário desta época foram textos que acabaram gerando polêmica na internet, tais como “Evento ou é vento?” e “As doze razões para eliminar o entretenimento em sua igreja”. De fato, quando escrevi esses textos, nós já havíamos abolido qualquer tipo de apresentação durante os cultos, que ficaram completamente voltados para a Palavra, a oração e o louvor de adoração. E, graças a Deus, assim continuamos até hoje. Ou seja, passamos a não mais atrair pessoas que estavam buscando na igreja uma distração, mas sim aquelas que desejavam uma verdadeira conversão. Descobri pela prática que só existem dois tipos de igreja: a verdadeira, que é centrada em Cristo e seu evangelho; e a falsa igreja, que procura agradar ao homem e realizar sua vontade. O pastor que tenta fazer as duas coisas comete um grande erro, assemelhando-se aos crentes mornos de Laodicéia, que dão náuseas no Senhor (Ap 3:15-17). Não é possível ficar em cima do muro. Vocês precisam escolher de que lado estão, se do evangelho ou do sistema gospel. Se escolherem o evangelho, precisam  deixar bem claro para os irmãos que a igreja pastoreada por vocês é muito diferente de onde vocês saíram. Não queiram ser mais uma variação do mesmo tema, pois não precisamos de mais igrejas evangélicas, mas sim de mais evangelho nas igrejas.

“Resumindo: saímos faz 5 meses e, como ele ama pregar e salvar as pessoas, decidiu abrir uma igreja, mas nossa maior luta é manter ela aberta, pagar o aluguel e as despesas nossas e da igreja!”

Sei que talvez você não tenha querido dizer isso, pois não cabe a qualquer um de nós decisão de “abrir uma igreja”. Quem deve decidir isso é Cristo, o Senhor da igreja. Somos apenas seus mordomos, nada mais. O que podemos, e devemos, é decidir obedecê-lo. Mas, supondo que realmente Deus tenha lhes confirmado que vocês formassem um novo ministério, tudo que posso lhes dizer é isto: confiem em Deus, pois a porta que Ele abre ninguém fecha, e a que Ele fecha ninguém abre. Você disse também que seu marido “ama pregar e salvar as pessoas” e isso é ótimo! Porém, fico me perguntando se ele continua pregando o que ouviu por 20 anos, ou se fez uma releitura dos evangelhos e, assim como aconteceu comigo, percebeu que precisava reformar sua teologia. Não me refiro a tornar-se calvinista ou coisa parecida, mas a se estudar o que os apóstolos pregavam (que é também o que o próprio Cristo pregava) a fim de se pregar com fidelidade as escrituras. O resultado de minha própria análise do evangelismo de Jesus e dos apóstolos foi publicado em 2014 no e-book intitulado “Manual prático para evangelização – o método de Jesus e dos apóstolos.” Humildemente, recomendo sua leitura, que está disponível gratuitamente em nosso site.

“Pastor Alan, acompanhei seus posts e gostaria de pedir esta direção para o senhor, de como o senhor faz para manter a igreja sem a teologia da prosperidade, campanhas e tudo mais. Estou vendo esta dificuldade no meu marido; afinal, ele ficou 20 anos e não tem como sair tão cedo!”

A resposta é simples, mas acho que não há como eu dizer isso sem correr o risco de ofender algum leitor. Por outro lado, a verdade precisa ser dita: Onde se prega teologia da prosperidade e se fazem campanhas pra se conseguir isso e aquilo não há ovelhas, mas bodes. Portanto, a questão se resume a isso: Vocês querem pastorear ovelhas, ou engordar bodes? Em outras palavras, vocês querem orientar pessoas a um relacionamento sadio com Deus e o próximo, ou alimentar a ganância dos que desejam se aproveitar de Deus? É simples assim! O tipo de pessoa que fará parte de sua igreja será determinado pelo tipo de mensagem que for pregada. Meu conselho é que vocês sejam radicais como eu fui, abolindo completamente (e agora mesmo) todas as campanhas e as pregações que promovem a ganância. Preguem o arrependimento de pecados e a sincera conversão a Cristo. Acredite no que vou lhe dizer: há milhares (talvez milhões) de pessoas em busca de uma igreja que ainda pregue o genuíno evangelho. São pessoas que não aguentam mais tanta conversa fiada, tanta pregação mundana, tanto amor ao dinheiro. São pessoas que querem Deus, que precisam conhecer o verdadeiro Jesus! Sejam fiéis a Cristo, sejam simples e humildes como Jesus, preguem seu evangelho, divulguem a verdadeira mensagem da salvação, e o Senhor mesmo conduzirá suas ovelhas ao aprisco.

“Por favor, nos oriente neste caso. Como vamos fazer para pedir a contribuição das pessoas sem apelar pra estas coisas? Pois vejo que quando pedimos para as pessoas dar por amor elas não dão nada, mas se você lança um propósito ou dízimo, aí algumas dão, mas não está dando pra arcar com as despesas! Por favor, gostaria da sua ajuda pra dizer como é feita a contribuição dos fiéis aí e com que argumentos.”

Meu conselho é que vocês sejam sinceros e transparentes. Digam claramente aos irmãos que Deus não precisa do dinheiro deles, mas que é um privilégio que o Senhor nos convide a fazer parte de Sua obra. Procurem sempre divulgar algo que foi recentemente adquirido com o valor das ofertas, ou que ainda está sendo pago através da fidelidade deles. Comecem (ou continuem) a ajudar missionários e pessoas carentes. Façam os irmãos perceberem que suas ofertas abençoarão essas vidas. Em nossa igreja não pedimos mais mantimentos (campanha do quilo), mas anunciamos os produtos que precisamos comprar por atacado para que nada falte nas cestas básicas que distribuímos. Assim, nossos irmãos são motivados a contribuir ainda mais, a fim de que possamos abastecer a despensa da igreja e ajudar as famílias carentes. Como pastores, precisamos despertar nos irmãos a alegria de contribuir, de ajudar o próximo. Não há outra forma de se combater a falta de amor, senão com demonstrações de amor. Se nós, como pastores, nos importarmos realmente com a dor do próximo, toda a igreja também se importará. Se os irmãos perceberem o quanto sua igreja faz a diferença na comunidade, todos eles desejarão contribuir cada vez mais para o crescimento desse ministério. Tenho mais algumas dicas. Jamais troquem a oferta por qualquer “patuá”, ou seja lá o que for. Nada de brindes para quem der a oferta acima de determinado valor, ou envelope de ofertas em que se obrigue a escrever o nome, ou que tenha espaço para um pedido de oração. Uma coisa não tem nada a ver com outra. O valor da oferta deve ser sigiloso, a fim de que o ofertante possa contribuir segundo propôs em seu coração. Outra coisa (não estou dizendo que vocês devam fazer isso, mas...) em nossa igreja não vendemos nada na cantina. Além de constranger os irmãos que não podem comprar um lanche, a cantina compete com as ofertas, pois há pessoas que deixam de ofertar, ou que ofertam menos, para que depois do culto possam comprar na cantina. Optamos por oferecer gratuitamente cafezinho ou refresco nesse espaço e compartilhamos com todos qualquer doce ou salgado que os irmãos tenham levado. Resumindo, não vendemos nada na igreja, nem trocamos oferta por qualquer coisa, mas ensinamos que ofertar é um ato de amor, um ato que será honrado por Deus. Quanto à questão do dízimo, escrevi recentemente um artigo sobre o assunto, intitulado “As controvérsias cristãs sobre o dízimo – e a destinação correta das ofertas”.

E, finalmente, procurem pregar mais nos textos do Novo Testamento. Não estou desprezando o Antigo Testamento, mas lembrando que a missão da igreja é formar discípulos de Cristo, ensinando-os a obedecer tudo o que ele nos ordenou (Cfr. Mt 28:20). Na maioria das igreja se prega mais sobre Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi, Salomão, Elias e Eliseu do que sobre os ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas foi minha insistência em pregar nesses ensinamentos que transformou o coração dos que congregam em nossa igreja, fazendo-os, entre outras coisas, ofertar por amor e não mais por interesse.

Espero ter ajudado a irmã de alguma forma, colocando-me a disposição para responder a novos questionamentos, tanto seus quanto de outros leitores. E já que seu marido é pastor e foi você quem decidiu escrever para mim, quero terminar com uma frase que minha esposa costuma repetir de vez em quando, e que me deixa emocionado, como também agora estou: “Nossa igreja é um milagre, um grande milagre...” E quem nos conhece pessoalmente sabe que é mesmo.[2]

A Deus toda a glória!

Alan Capriles

Notas

[1] Revelo minha posição sobre os desigrejados no seguinte texto e vídeo:
"Igrejados, desigrejados e o que realmente importa"
"Há salvação para os desigrejados?"

[2] Minha esposa costuma dizer isso quando comentamos sobre a assistência que, mesmo sendo uma igreja pequena, conseguimos prestar mensalmente a duas instituições, três casais de missionários (residentes no Níger, Indonésia e Moçambique) e diversas famílias carentes da comunidade e além. Não temos explicação pra isso, a não ser a providência de Deus.


20 novembro 2015

O SINAL MAIS EVIDENTE DO FIM


Por Alan Capriles

Quando os apóstolos perguntaram a Jesus qual o sinal que antecederia sua vinda e o final desta era, sua resposta foi apresentar não apenas um, mas diversos sinais. Nação se levantaria contra nação e reino contra reino; haveria um aumento de grandes terremotos, fome e epidemias em vários lugares; veríamos coisas espantosas e também grandes sinais do céu. Tudo isso, no entanto, seria apenas o princípio das dores. Ainda mais perto do fim, a iniquidade aumentaria e o amor se esfriaria de quase todos. Ao mesmo tempo, o número de falsos profetas cresceria, bem como de escândalos, ódio e traições na igreja. Logo em seguida, uma grande perseguição contra os verdadeiros discípulos, que seriam odiados de todas as nações por manterem sua fidelidade a Cristo. E, finalmente, os poderes dos céus abalados (alterações climáticas?), as nações angustiadas e perplexas por causa do bramido do mar (aumento do nível dos oceanos?) e da agitação das ondas (tsunamis?) e muitos homens desmaiando de terror por causa das coisas que sobrevirão ao mundo.[1]

Praticamente tudo quanto o Senhor predisse como evidência da sua vinda e do fim dos tempos já tem ocorrido. De fato, todos os sinais parecem piscar ao mesmo tempo e cada vez mais intensamente! Mas, a despeito disso, notamos uma quase completa distração dos crentes em relação ao tempo presente. Ao invés de orarem mais, oram menos; de evangelizar mais, evangelizam menos; de se santificar mais, se contaminam com o mundo. Como pode ser isso?

A explicação é, no mínimo, curiosa: Essa distração da igreja, teologicamente chamada de apostasia, vem a ser também um dos sinais da iminência do fim. Na verdade, a apostasia é o penúltimo sinal antes da vinda do Senhor – ou mesmo o último, dependendo da linha escatológica que se queira acreditar.[2]

A revelação se encontra na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, onde Paulo nos esclarece que o retorno de Cristo “não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniquidade, o filho da perdição” (2Ts 2:3). Sendo assim, o tempo da apostasia e o surgimento do anticristo são apontados como os dois últimos sinais que antecedem a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e a nossa reunião com ele”. E, como vimos, todos os outros sinais já estão acontecendo e mesmo assim a igreja atual parece distraída e não tem se preparado para o encontro iminente com o Noivo! Porém, irônica e tragicamente, isso não poderia ser de outra forma, pois caso a igreja estivesse apercebida do tempo final ela não estaria em apostasia e, se não estivesse em apostasia, não estaríamos no tempo do fim!

Portanto, o retorno de Cristo deve estar mais próximo do que imaginamos, pois o tempo da apostasia chegou! Todas as profecias bíblicas acerca desse período estão se cumprindo. Como não poderia deixar de ser, essa derradeira e lamentável fase também foi prevista pelo Senhor. Entre os sinais do sermão escatológico de Jesus, temos alguns que concernem à igreja, tais como: o surgimento de muitos falsos profetas, o aumento dos escândalos, bem como do ódio e da traição entre os irmãos – indicativos claros de que a igreja não estaria nada bem na sua fase final sobre a terra.

Essa triste condição da igreja no tempo do fim também se revela em muitas outras passagens bíblicas. Aliás, algumas parecem até sugerir que precisamente por causa disso retornará o Senhor, ou seja, porque a igreja teria deixado de cumprir sua missão neste mundo.[3] Se relacionarmos esses textos proféticos iremos nos deparamos com descrições que caracterizam grande parte das igrejas atuais. A seguir analisaremos algumas dessas características:

Deturpação da doutrina de Cristo
“Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos;  e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.” (2 Timóteo 4:3-4)
Não há maior deturpação da doutrina de Cristo que a famigerada Teologia da Prosperidade, a qual se espalhou como câncer pelas igrejas, atraindo pessoas pela cobiça de bens materiais. O tenebroso tempo revelado por Paulo a Timóteo lamentavelmente chegou.
Pouca oração como evidência de fé
“Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lucas 18:7-8)
Reuniões de oração quase já não existem e, quando ocorrem, pouquíssimos crentes comparecem.  E, na passagem acima, o Senhor aponta claramente para a oração como a maior evidência de fé. Sua pergunta, além de ser irônica, sugere que, por ocasião de sua vinda, poucos haverá que ainda clamem a Deus dia e noite. Esse desprezo pela oração é uma descrição exata do que vemos acontecer em nossos dias.
Insubmissão a Cristo como Senhor
“Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição.” (2 Pedro 2:1)
Renegar o Soberano Senhor significa rejeitar o governo de Cristo sobre nossas vidas. Muitos não percebem, mas os ensinamentos de Cristo deixaram de ser pregados na maioria das igrejas. Para se atender à pauta humanista – como, por exemplo, a Teologia da Prosperidade – as mensagens geralmente são baseadas em textos do Antigo Testamento, evitando-se falar em arrependimento de pecados, renúncia de si mesmo, perdão ao próximo, atos de misericórdia, humildade sincera e santificação total – práticas ordenadas pelo Senhor. Dessa forma, Cristo deixa de ser soberano e a vontade das pessoas é o que impera. Mas a verdade é que Jesus não será o Salvador de quem o despreza como Senhor.
Líderes libertinos
“E muitos seguirão as suas práticas libertinas, e, por causa deles, será infamado o caminho da verdade; [...] Esses tais são como fonte sem água, como névoas impelidas por temporal. Para eles está reservada a negridão das trevas; porquanto, proferindo palavras jactanciosas de vaidade, engodam com paixões carnais, por suas libertinagens, aqueles que estavam prestes a fugir dos que andam no erro, prometendo-lhes liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor.” (2 Pedro 2:2,17-19)
É assustador o número de líderes cristãos que caíram em libertinagem nos últimos anos. Ainda mais assustador é o fato de que muitos desses, além de não se arrependeram, continuam pregando e distorcendo a palavra. Em seus ensinamentos deturpados, transformam graça em desgraça e confundem liberdade com libertinagem, a fim de justificar seus próprios pecados. E, tal como foi profetizado, muitos têm seguido suas práticas libertinas, ajudando a difamar ainda mais o caminho da verdade.
Comércio da fé
“... também, movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme.” (2 Pedro 2:3)
Muitas igrejas hoje mais se parecem com empresas; seus pastores, com homens de negócios; seus membros, com clientes; seus cultos, com espetáculos rentáveis. A visão de reino parece haver se perdido, pois muitas igrejas passaram a concorrer umas com as outras, como se fossem lojas comerciais. Nestas, os milagres são anunciados como se fossem mercadoria em promoção e os dias de culto são variados para se atender ao gosto do "freguês". Isso pode parecer exagero, mas o fato é que a realidade se revela ainda muito pior! Aqueles cambistas que Jesus expulsou do templo pareceriam santos se comparados a muitos (ou todos?) cantores gospel e pregadores profissionais de hoje em dia. São verdadeiros mercenários: quem pagar mais, leva! E multidões de crentes aplaudem esses canalhas, que se enriquecem às custas de sua ingenuidade - ou seria cumplicidade? Enfim, todo esse comércio da fé também foi profetizado, sendo mais um claro sinal de que o juízo de Deus não tardará.
Crentes mundanos
“Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes.”
(2 Timóteo 3:1-5)

No texto acima Paulo nos dá uma longa descrição de como seriam os crentes nos últimos dias. Como se vê, a situação da igreja no tempo do fim foi profetizada e não é das melhores. Agora julgue por si mesmo se tais características descrevem ou não a maioria daqueles que hoje se dizem evangélicos...

Crentes que promovem divisões
“Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam: No último tempo haverá escarnecedores andando segundo as suas ímpias paixões. São estes os que promovem divisões, sensuais, que não têm o Espírito.”
(Judas 1:17-19)

A quantidade absurdamente exagerada de denominações evangélicas é uma clara demonstração de que chegamos ao profetizado “último tempo”. A maioria dessas novas igrejas provém de lamentáveis e desnecessárias divisões, as quais poderiam ser evitadas com oração, humildade, diálogo e perdão. Paralelamente a isso, há os que deixam a congregação fazendo de tudo para levar outros com eles – não para iniciar uma nova igreja, mas apenas pelo prazer mórbido de tirá-los da comunhão dos santos. Isso tem ocorrido com tanta frequência que o número de afastados já supera o de membros que compõem igreja.[4] Claro, há também o caso das igrejas que se desviaram da fé, obrigando crentes fiéis a deixar sua antiga congregação. Neste último caso, os crentes que promovem divisões são os próprios pastores, na medida em que tentam impor heresias à igreja, tais como a Teologia da Prosperidade, o Liberalismo Teológico, ou movimentos e métodos de crescimento contrários à Palavra.

Multidões de crentes enganados
“... levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos.”
(Mateus 24:11)

Retornando ao sermão escatológico de Jesus, temos a previsão de que muitos seriam enganados por falsos profetas, ou seja, por pessoas que pregam falsamente em nome de Deus. O rápido crescimento de igrejas lideradas por pastores que deturpam o evangelho é mais um sinal claro de que vivemos na iminência do fim.

Diante de tantas evidências, não é exagero concluirmos que o maior sinal de que o Senhor está às portas é a própria condição atual da igreja. Isso acontece bem diante dos nossos olhos, mas muitos não estão percebendo! Até mesmo os pastores mais famosos, que deveriam aproveitar a fama para alertar a igreja e conclamar os crentes ao arrependimento e oração, ao invés disso parecem distraídos e preocupados em promover a si mesmos, bem como aos congressos rentáveis dos quais participam. Para piorar, ainda escandalizam o evangelho com vídeos e textos onde se acusam mutuamente, cumprindo a profecia de que haveria ódio entre os cristãos no tempo do fim.

É muito importante compreendermos que o Senhor não nos revelou esses sinais para que ficássemos assustados. Embora o susto seja inevitável para quem acabou de acordar, esse primeiro momento deve ser superado pela compreensão do que devemos fazer. Em primeiro lugar, não sermos parte do problema, o que significa não nos enquadrarmos em qualquer uma das características relacionadas acima. Apesar de vivermos no tempo da apostasia, isso não significa que devamos viver em apostasia. Ainda que a maioria tenha se apartado da fé, jamais queiramos nos parecer com eles! Em segundo lugar, redobrarmos a vigilância e a oração, para que não continuemos distraídos e sejamos mal influenciados pelo tempo presente, mas vivamos cheios do Espírito Santo. E, finalmente, permanecermos fiéis a Cristo, perseverarmos na prática do que o Senhor nos ensinou – especialmente no que concerne ao amor ao próximo. Somente se vivermos o verdadeiro evangelho é que seremos ouvidos em nossa evangelização.

E não percamos mais tempo com distrações. Perto está o Senhor!

Alan Capriles

Notas

[1] Para uma análise completa do sermão escatológico de Jesus, confira algumas lições do estudo chamado Perseverando até o Fim.

[2] Uma vertente escatológica defende que o anticristo surgirá somente após o arrebatamento da igreja e, sendo assim, nada mais faltaria ocorrer para o nosso encontro com o Senhor nos ares. Particularmente, creio que o arrebatamento acontecerá somente após o surgimento do anticristo, como parece indicar o referido texto na Segunda Epístola aos Tessalonicenses. Por essa razão somos ensinados a identificar o anticristo e alertados de que devemos rejeitar o seu governo e a sua marca (Ap 13:16-18). De qualquer forma, o retorno de Cristo é iminente, pois o cenário está pronto para um governo único mundial. Falta somente ocorrer uma tragédia global que convença a humanidade de que não há outra saída para a paz e a estabilidade econômica, senão um governo único, uma única moeda e um só líder mundial.

[3] Sempre há exceções, ou seja, crentes que se mantêm fiéis a Cristo e seus ensinamentos, mas parece tratar-se de uma minoria.

[4] Biblicamente falando, igreja é sempre a comunhão dos cristãos e não o local onde estes se reúnem. Portanto, ao falar de igreja não me refiro a templos, ou denominações, mas a irmãos em Cristo que se reúnem regularmente, seja onde for.