O CREDO APOSTÓLICO

Por Emil Brunner

Este Symbolum Apostolicum não foi, como seu nome diz e como se acreditava, composto pelos apóstolos, antes é fruto de um longo desenvolvimento iniciado em meados do século II, passou por uma série de formas materialmente divergentes, tomando finalmente a forma que conhecemos no final do séc. V. Reconhecemos desde o início seu alto valor como o Credo que une todas as igrejas cristãs, e que acima de tudo prestou serviço inestimável na luta contra as heresias gnósticas, porque dá expressão inequívoca à verdade de que a fé cristã é fé no Deus que se revelou através do Espírito Santo na pessoa de Jesus, como as narrativas evangélicas testemunham dele e como a comunidade cristã o reconheceu desde o início como Kyrios Christos. Neste sentido, podemos reconhecer o Credo Apostólico como excelente expressão da fé cristă no sentido do Novo Testamento, dizendo brevemente o essencial.

Mas, frente a isto, devemos descrevê-lo não apenas como inadequado, mas também como enganoso, na medida em que nomeia uma série de "fatos" da vida de Jesus, que em parte não pertencia à pregação apostólica; e acima de tudo porque os representa como fatos a serem cridos, sem deixar claro que eles são "fatos da salvação" como coisas que aconteceram "para nós". Nisto, o Credo Apostólico levou a cristandade a um falso caminho que descrevemos como "crença em fatos" e ao mesmo tempo faz da confissão da fé uma "lei da fé". Logo aparece a expressão lex fidei, conceito através do qual a alegre mensagem dos Apóstolos, que nos liberta da lei, é ela mesma transformada novamente em lei. Por outro lado, não diz uma única palavra sobre um assunto que foi de importância decisiva para os apóstolos desde o início da sua pregação, ou seja, que este Jesus encontra-se em continuidade histórica com a revelação do Velho Testamento e com a história salvífica. O elemento da história salvífica e o elemento existencial recebem nela apenas uma ênfase inadequada.

Isto significa que a palavra "creio" tem significado diferente daquele da pregação dos apóstolos. O Credo Apostólico não diz uma única palavra quanto a principal preocupação do Novo Testamento, o amor de Deus que vem ao nosso encontro no ato de reconciliação de Deus. O perdão dos pecados, que, junto com a mensagem de esperança sobre a vinda do Reino de Deus, forma o centro da Bíblia, é mencionado apenas na terceira seção como um apêndice, por assim dizer; a esperança do Reino vindouro aparece apenas na forma de "vir para julgar" e a vida eterna como último acréscimo; não é apresentada em associação essencial e necessária com a fé em Cristo, não segue inevitavelmente, como em Paulo, da justificação pela fé. Se perguntássemos a um dos apóstolos se reconheceria nesta formulação a preocupação central da sua mensagem, a resposta seria um enfático "Não". Os Apóstolos estavam preocupados com algo bem diferente, com a auto-comunicação do amor de Deus em Jesus Cristo, Seu Ato e Palavra como fundamento da nossa esperança no vindouro Reino de Deus. Como o Credo Apostólico, enumerando uma série de fatos a serem considerados, fez com que pistis degenerassem em fé nos fatos; por isso, ao não mencionar o ato de reconciliação, favoreceu o desenvolvimento errado do dogma ao longo de linhas especulativas.


Emil Bunner, DOGMÁTICA: a doutrina cristã da igreja, da fé, e da consumação. Vol. III, tomo 2. São Paulo: Fonte Editoral, 2020. p. 164-166.

Comentários