24 julho 2015

SERÁ QUE DEUS EXISTE?

Como manter a fé em meio a tanto sofrimento

 

Por Alan Capriles

Questionar a existência de Deus não é algo que ocorre somente aos ateus e agnósticos.[1] E também não se trata de modismo passageiro. Essa dúvida tem ocorrido até mesmo nas pessoas mais religiosas, especialmente quando se deparam com tragédias pessoais, como a perda de um ente querido.

Por mais religioso que alguém seja, o que dizer para um pai que está em prantos pela morte do filho? Os amigos de Jó bem que tentaram lhe dizer alguma coisa, mas melhor seria se houvessem permanecido calados.[2] E aquela costumeira frase, de que “Deus sabe de todas as coisas”, dificilmente consolará pais que só querem ter o seu filho de volta.

Ainda que quase ninguém o diga, muitos na hora da dor se perguntam: “Será que Deus existe mesmo?”[3] E, se existe, por que permite que tamanho mal aconteça? O fato é que, mais cedo ou mais tarde, todos que dizem acreditar em Deus terão sua fé provada pelo sofrimento. Ninguém escapa de sofrer, nem o mais rico dos homens.

Mas, então, se todos sofrem, por que insistimos na crença em Deus?

Não é bem assim. Tem sido cada vez maior o número dos que se dizem ateus e agnósticos devido ao sofrimento. E o mais curioso é que a maioria desses professava determinada religião. Alguns passaram a duvidar da existência de Deus mesmo após chegar ao sacerdócio, como foi o caso do historiador Bart Ehrman. Em um de seus livros, intitulado O Problema com Deus, Ehrman tenta justificar seu agnosticismo elaborando perturbadoras questões relacionadas ao sofrimento:

“Por que os doentes continuam a definhar com dores indizíveis? Por que bebês ainda nascem com defeitos congênitos? Por que crianças são sequestradas, estupradas e assassinadas? Por que há secas que deixam milhões de pessoas famintas, levando vidas horrendas e excruciantes que terminam com mortes horrendas e excruciantes? [...] Por que uma criança – uma simples criança! – morre de fome a cada cinco segundos?”

Por que Deus permitiria tanta dor e maldade? Não ter encontrado uma resposta plausível para tanto sofrimento no mundo levou Ehrman a duvidar que Deus exista. Nesse mesmo capítulo ele completa: “Eu não sei se existe um Deus; mas acho que se houver um, ele certamente não é aquele proclamado pela tradição judaico-cristã, aquele poderosa e ativamente envolvido com este mundo. E assim, deixei de ir à igreja.”

Bart Ehrman parece ter sido sincero ao apontar o sofrimento como principal motivo para abandonar sua fé. Mas ele também se revelou humilde ao confessar algo que os ateus não estão dispostos a reconhecer: “eu não sei se existe um Deus”.

Certamente, esse é o ponto crucial. Não se pode comprovar que Deus não exista. Mas, se Deus fosse do jeito que Ehrman gostaria que fosse, então ele aceitaria que existe um Deus e não haveria problema. Ou melhor, nenhum problema, pois o mundo seria perfeito e todos seriam felizes para sempre! Agnósticos – a exemplo de Barth Ehrman – criam a imagem do deus que eles gostariam que existisse, mas quando percebem que o seu deus não se encaixa com a realidade que há, então passam a duvidar que Deus realmente exista. Os ateus também fazem o mesmo, embora neguem sequer imaginar qualquer tipo de deus, bem como a possibilidade de haver um Criador. Como se vê, os agnósticos parecem ser mais humildes e honestos, pois os ateus também não podem provar que não haja um Criador, a não ser pela desculpa de que Deus não é como eles gostariam que fosse. Mas admitir isso é algo que os ateus não estão dispostos a fazer.

Portanto, o x da questão é a premissa na qual ateus e agnósticos se baseiam para que Deus possa existir, ou seja, a de que a felicidade suprema e pessoal seria o propósito de toda existência humana. Mas, como há sofrimento e pessoas infelizes, então eles concluem que Deus não deve existir.

Essa noção, de que a existência do sofrimento implique na inexistência de Deus, não é uma ideia recente.[4] Porém, numa sociedade cada vez mais individualista, é natural que o número de pessoas que pense assim esteja crescendo rapidamente. Um crescimento alimentado pela mídia, que todos os dias tenta nos fazer acreditar que somos especiais e merecedores de todo conforto, luxo e divertimento possíveis. Evidentemente, essa mentalidade deturpada também contamina o meio religioso. Não por acaso o slogan “chega de sofrer” tornou-se um chamariz (que funciona) para igrejas onde os pregadores prometem o céu na terra. Essas igrejas estão sempre lotadas porque é nisso que as pessoas querem acreditar! O problema é que isso não é verdade.

Os crentes, assim como os ateus e agnósticos, também estão sujeitos a sofrer. A despeito do que ensinam certos pregadores, o sofrimento não é consequência da falta de fé. A pregação religiosa que promete uma vida sem sofrimento pode surtir efeito a curto prazo, atraindo os mais carentes e incautos. Mas, a longo prazo, quando esses voltarem a sofrer, ou eles irão procurar outra igreja, que não lhes engane, ou abandonarão de vez a fé, traumatizados por uma expectativa de plena prosperidade que não se concretizou. Temo que esse último cenário esteja ocorrendo com maior frequência. Uma religião deturpada pode gerar muito mais ateus que o secularismo hodierno.

Como se vê, não é difícil identificar as causas do crescente ateísmo. Mas, quanto ao sofrimento, identificar o seu porquê não é tarefa tão simples assim. Há muitas explicações, que variam de acordo com as mais diversas posições religiosas e filosóficas. Não caberia nesse texto esmiuçar as diferentes respostas apresentadas para se explicar o sofrimento. Obviamente, algumas se contradizem e não é possível que todas estejam certas.

Mas, francamente, não penso que a crença religiosa ou filosófica seja tão relevante quanto a compreensão e aceitação do óbvio: por mais doloroso que seja, o sofrimento faz parte da vida. E talvez faça parte da vida porque o sofrimento é bastante didático e revelador. Didático, porque aprendemos mais quando nos deparamos com o sofrimento do que quando tudo vai bem. E revelador, porque no sofrimento manifesta-se quem realmente somos. Foi o que ocorreu, por exemplo, na conhecida parábola do bom samaritano. Os religiosos, que aparentavam ser pessoas melhores, revelaram-se indiferentes à dor alheia, enquanto aquele desprezado samaritano se revelou misericordioso e solidário para com um estranho que sofria.[5]

Não obstante, além de nos ensinar sobre nós mesmos e sobre o próximo, o sofrimento também é a melhor oportunidade para exercitarmos a fé e o amor que dizemos ter. É provável que você já tenha notado que as maiores manifestações de fé geralmente ocorrem quando somos diretamente atingidos pela dor. São nesses momentos difíceis que passamos a buscar a Deus com mais intensidade – o que também revelará se confiamos ou não na providência divina. Mas é quando nos deparamos com a dor alheia que temos a chance de exercitar o verdadeiro amor, o qual se concretiza na compaixão pelo próximo, levando-nos a socorrer aos que precisam de ajuda.

Suponho que não haveria fé e amor neste mundo se não houvesse também o sofrimento, que os promove por toda parte. Se não houvesse sofrimento seríamos todos indiferentes ao próximo e descrentes em Deus, pois não necessitaríamos buscá-lo. Seríamos também insuportavelmente arrogantes e soberbos, julgando sermos grande coisa por não conhecermos qualquer aflição. Tudo e todos perderiam seu valor, pois nunca saberíamos o que é a dor de uma perda.[6]

Como se vê, o sofrimento não é de todo mal. Porém, em alguns casos, o sofrimento parece mesmo não fazer o menor sentido e jamais conseguiremos entender plenamente o seu propósito. Resta-nos apenas confiar em Deus – algo que não deveria nos surpreender e nem mesmo incomodar. Ora, se soubéssemos de tudo, nós é que seríamos Deus e não apenas homens.

Porém, se pudéssemos ver além de nossas limitações humanas e temporais, perceberíamos que todo sofrimento sempre resultará em algo bom e melhor; compreenderíamos que toda dor pela qual passamos foi terminantemente necessária para sermos edificados e fortalecidos; reconheceríamos o quanto Deus nos ama, a ponto de sofrer juntamente conosco, se fazendo um homem experimentado em dores, na pessoa do seu filho, Jesus.

Notas


[1] Diferença entre ateus e agnósticos: ateus negam categoricamente que possa existir um deus; agnósticos dizem que não há como alguém saber se Deus existe ou não.

[2] Referência ao livro de Jó, personagem bíblico que num só dia perdeu todos os seus bens e também todos os filhos. Três amigos tentaram consolá-lo, buscando justificativas para sua dor, mas tudo quanto disseram foi repreendido por Deus. Confira em Jó 2:11-13, 4:1, 42:7.

[3] Por exemplo, questionar se Deus existe foi o compreensível desabafo do pai do cantor sertanejo Cristiano Araújo, cuja carreira foi abruptamente interrompida num acidente de carro.

[4] Essa discussão é tecnicamente chamada de Teodicéia, um termo que se refere a resolver a seguinte questão: como pode haver sofrimento no mundo se Deus é amor e tem todo o poder? Embora esse termo tenha surgido somente a partir do século XVII, o problema já havia sido apresentado muito antes, há cerca de 2.500 anos, pelo filósofo grego Epícuro.

[5] Uma das parábolas mais famosas de Jesus Cristo, registrada em Lucas 10:25-37.

[6] Coincidência ou não, na semana em que escrevi esse texto tornei a assistir, pela enésima vez, ao documentário “Estou Vivo – O milagre nos Andes”, que conta como 16 jovens conseguiram sobreviver por 70 dias na cordilheira andina, após a queda do avião em que estavam. Dois deles, Nando Parrado e Roberto Canessa, precisaram caminhar na neve por exaustivos 60 quilômetros, atravessando as montanhas, até conseguirem ajuda. Considero inteiramente apropriado, como complemento desse texto, parte do depoimento que eles deram neste documentário, revelando as lições que aprenderam com todo aquele sofrimento:

“Percebi que precisamos de coisas simples para sermos felizes. E como exigimos mais do que precisamos na vida!” - Roberto Canessa

“Aprecio o fato incrível de estar vivo, todo dia, a cada respiração... A vida é mais simples do que parece. Para mim o amor é a coisa mais importante do mundo. O amor por nossas famílias nos mantém vivos.” - Nando Parrado

Você pode conferir esse incrível documentário clicando aqui.

Alan Capriles

17 julho 2015

SONHOS - OU SERIA UM ALERTA?

Uma experiência pessoal


Por Alan Capriles

Talvez você não acredite em inferno, mas deixe-me compartilhar o sonho (ou pesadelo) que tive nesta noite:

Encontrava-me num lugar sombrio, onde havia vários corpos deitados no chão, uns sobre os outros, a perder de vista. Eles não estavam nus, mas bem vestidos, parecendo usar paletós, ou alguma outra roupa de cor escura. Quase não se moviam, mas havia som de muito gemido e muito pranto. Ao ver aquilo tentei ajudar, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Senti uma enorme angústia e um pavor intenso. Aquilo durou apenas alguns segundos, mas foi tão forte que parecia ser uma eternidade.

Foi quando acordei. Eram 03h07 da madrugada. Levantei para beber água, dando graças a Deus por tudo não passar de um terrível pesadelo... Ou seria algo mais?

Digo isso porque, na verdade, esse havia sido meu quarto sonho estranho e consecutivo dentro da mesma semana.

No primeiro deles, encontrava-me ao ar livre conversando com os jovens de nossa igreja e, de repente, avistei uma enorme explosão no horizonte, que gerou uma gigantesca onda de fumaça e destroços que vinham em nossa direção. Imediatamente gritei, orientando que todos se deitassem no chão. Pude sentir o calor passando sobre minhas costas. Em seguida, vi prédios caindo, uns sobre os outros, como peças de um dominó.

Na noite seguinte, tive o segundo sonho. Eu dirigia meu carro em algum local que parecia ser um cruzamento, quando de repente o chão começou a ceder e se abrir bem à minha frente. Precisei correr dando marcha à ré para fugir de tudo aquilo, pois acontecia muito rápido e alguns carros estavam sendo completamente engolidos. 

No terceiro, havia uma multidão de pessoas em caos, que corriam de um lado para outro, com as mãos na cabeça. Eu não sabia o porquê de tudo aquilo, mas percebi que, além de ser noite, não havia luz em parte alguma. A última cena desse sonho foi eu avistar a silhueta negra de uma igreja, estranhando que ela estivesse fechada e completamente apagada.

O quarto sonho foi o que relatei no início deste post.

Não costumo lembrar do que sonhei e nem dou muita importância para isso, mas o fato é que esses sonhos, além de impressionantes, parecem ser uma sequência, como flashes de uma só história. Sendo assim, talvez o quarto sonho não seja o inferno, propriamente dito, mas pessoas sofrendo as consequências de um inferno aqui na terra, após uma bomba nuclear ou coisa parecida.

Obviamente, espero que tudo não passe de sonhos. Mas, como isso não costuma ocorrer comigo, pretendo redobrar minha vigilância e também minhas orações. E, se me permite um conselho, talvez você devesse fazer o mesmo.

"Vigiai a todo tempo, orando, para que possais escapar de todas estas coisas que têm de suceder e estar em pé na presença do Filho do Homem."
Jesus Cristo (Lc 21:36)


25 junho 2015

A DIVINA HUMANIZAÇÃO DE CRISTO

A Busca pelo Jesus Histórico e a Divindade de Cristo
Por Alan Capriles


A chamada busca pelo Jesus histórico é o esforço acadêmico de se analisar a vida de Cristo somente pela perspectiva histórica, como um simples homem, ou seja, despido de qualquer suposto mito que o identifique como Deus. Neste sentido, os evangelhos e demais escritos do Novo Testamento necessitam ser examinados com extrema cautela, uma vez que qualquer milagre, especialmente o da ressurreição, não pode ser avaliado (e muito menos abalizado) segundo os parâmetros históricos.

Não se trata de má vontade dos acadêmicos, mas do simples fato de que o sobrenatural não pode ser comprovado por metodologia científica. Além disso, muitos estudiosos asseguram que os evangelhos foram escritos de 35 a 65 anos após a morte de Jesus, o que aumentaria a probabilidade de que seus autores não tenham sido testemunhas oculares dos relatos que escreveram. Para um historiador, o depoimento de alguém que presenciou o fato relatado é de grande relevância histórica. Mas, segundo supõem alguns pesquisadores, os evangelhos foram escritos por pessoas que não conheceram Jesus pessoalmente. Como se não bastasse, afirmam que existem discrepâncias na leitura paralela dos evangelhos, ou seja, que surgem divergências quando comparamos a ordem e os detalhes descritos da vida de Jesus em cada evangelho.[1]

Sendo assim, a pesquisa sobre o Jesus histórico consiste, principalmente, numa tentativa de se retirar supostas camadas de mito religioso que teriam sido acrescentadas sobre a pessoa do Nazareno. O assunto é extenso e polêmico, mas acho necessário apresenta-lo resumidamente a seguir, para somente depois revelar o impacto que tais estudos causaram em mim.

A chamada primeira busca pelo Jesus histórico se deu em meados do século XVIII, motivada pelo Iluminismo, o movimento europeu que exaltava o uso da razão como a única forma de se chegar à verdade. Muitos eruditos começaram a reescrever a vida de Jesus sob uma perspectiva extremamente racional (leia-se: que nega sua divindade), concluindo que o Nazareno poderia ter sido apenas um político mal sucedido que tencionava ser o rei de Israel, ou talvez um curandeiro que fazia uso de práticas terapêuticas, ou apenas um mito criado a partir de narrativas do Antigo Testamento, ou simplesmente uma lenda, baseada em pouquíssimo material histórico.

Tantas opiniões divergentes acerca de quem foi Jesus acabaram resultando em ceticismo quanto à possibilidade de se conhecê-lo por uma perspectiva histórica. Em 1911, Albert Schweitzer publicou sua famosa obra sobre o assunto, A Busca do Jesus Histórico, na qual demonstrou que os pesquisadores haviam falhado em suas biografias de Jesus porque cada autor projetava nele o próprio ideal ético que mais almejava. A despeito disso, Schweitzer também aventou sua hipótese acerca de quem foi o Nazareno: apenas mais um profeta judeu apocalíptico, que a princípio anunciava a vinda de uma figura escatológica, o Filho do Homem, o qual desceria do céu para estabelecer o reino de Deus na terra, mas que depois teria mudado de ideia, acreditando ser ele mesmo esse Filho do Homem. O teólogo Rudolf Bultmann foi ainda mais pessimista quanto à busca pela verdade histórica. Segundo ele, a única coisa relevante no aspecto da história é que Jesus existiu. Qualquer tentativa de se saber o que realmente aconteceu seria uma tarefa impossível do ponto de vista metodológico, e desnecessária do ponto de vista teológico. Bultmann afirmava que o importante é o Cristo da fé, ressuscitado e vivo no coração de cada crente, o qual se baseava em tradições acerca de Jesus que jamais poderiam ser historicamente comprovadas. Sendo assim, o assunto parecia definitivamente morto e enterrado.

Mas eis que, após algumas décadas de compreensível silêncio, houve uma ressurreição na busca pelo Jesus histórico. Reavivados por uma nova pergunta, os pesquisadores desejavam então saber se o Querigma (a exaltação fundada na cruz e na ressurreição) teria alguma base na pregação de Jesus, ou seja, se determinados ditos e ações provinham mesmo dele ou se eram visões posteriores da Igreja. Talvez possamos estabelecer precisamente o início dessa segunda busca em 23 de Outubro de 1953, quando o professor Ernest Käsemann, na conferência denominada O Problema do Jesus Histórico, defendeu a criação de uma teologia baseada na realidade histórica sobre o que Jesus de fato ensinou. Ele argumentou que isso não somente era necessário, mas que já era possível, devido aos avanços nas áreas da Arqueologia, História, Antropologia e Filosofia. Abandonava-se o interesse pela cronologia dos eventos e da publicação de novas biografias de Jesus, mas mantinha-se o ceticismo em relação aos milagres – uma herança do Iluminismo. A partir de então o foco seria determinar quais ensinamentos de Cristo eram autênticos ou não. Os parâmetros para essa pesquisa começavam a consolidar-se, resultando em um boom no interesse pelo Jesus histórico a partir do final do século XX.

Atualmente experimentamos o que se pode chamar de terceira busca, na qual Jesus é reinserido em seu contexto judaico, possibilitando aos judeus perceberem-no como parte de sua história. O interesse histórico-social substituiu o teológico, razão pela qual agora se admite a investigação de fontes não canônicas e até heréticas, tais como o apócrifo Evangelho de Tomé. O maior exemplo desse empenho se deu na formação do The Jesus Seminar, projeto norte-americano iniciado em 1985, no qual pesquisadores passaram a reunir-se duas vezes ao ano para avaliarem Jesus segundo os modernos métodos da pesquisa crítica e histórica.[2] Em sua primeira fase os participantes deveriam votar em quais ditos seriam autênticos ou não, tratando a questão como se ela pudesse ser resolvida democraticamente. Essa polêmica votação estabeleceu que pouquíssimos ditos atribuídos a Cristo nos evangelhos, incluindo o de Tomé, seriam provavelmente autênticos. Apenas quinze, para ser mais exato! Isso causou desconforto para os pesquisadores europeus, os quais discordam deste método, e indignação para muitos teólogos que se perguntam de qual Jesus estaríamos falando.

As conclusões mais recentes acerca do Jesus histórico estão amplamente disponíveis em língua portuguesa. Obras de pesquisadores conceituados, como Geza Vermes, John Dominic Crossam e John Paul Meier podem ser encontradas com certa facilidade nas melhores livrarias brasileiras. O ex-pastor evangélico (agora agnóstico) Bart Ehrman popularizou ainda mais o assunto, escrevendo livros com títulos sensacionalistas, tais como “O que Jesus disse, o que Jesus não disse” e “Como Jesus se tornou Deus”. Neste último, Ehrman escancara o que até então estava nas entrelinhas dos demais autores, ou para a maioria deles: Deus não se fez homem em Jesus, mas o próprio homem é que teria elevado Jesus ao status de Deus.

Particularmente, o estudo do Jesus histórico não me levou a essa conclusão. Na verdade, consolidou ainda mais a minha fé em Cristo. E ninguém pode me acusar de leviandade, pois não somente li todos os livros de Ehrman, com também li as principais obras de Crossan, Vermes, Schweitzer, além de autores ainda não mencionados, tais como Reza Aslan e André Leonardo Chevitarese. Este último merece especial consideração, por ser o historiador brasileiro que mais tem incentivado o estudo do Jesus histórico em nosso país. Tive o privilégio de participar de alguns cursos ministrados na UFRJ por excelentes professores ligados a Chevitarese, tais como Daniel Justi, Juliana Cavalcanti e Lair Amaro Faria.[3] Participei desses cursos não como pastor ou teólogo, mas com a sincera disposição de um aprendiz.

E aprendi muito, reconheço; tanto nas aulas, quanto nos livros. Aprendi, principalmente, a refletir sobre a opinião da maioria eruditos acerca do Jesus Histórico, cujos pontos pricipais apresento a seguir:

  • Jesus não teria nascido em Belém, mas em Nazaré, uma aldeia insignificante, que sequer aparecia nos mapas, e cuja historicidade chegou a ser questionada, mas que foi comprovada por achados arqueológicos a partir do fim do século XIX;
  • Jesus teria crescido sendo chamado de filho da prostituição, pois ninguém acreditaria na história de que sua mãe foi engravidada pelo Espírito Santo;
  • Jesus teria sido analfabeto, como o restante dos camponeses pobres que moravam em Nazaré, pois seria praticamente impossível que ele aprendesse a ler morando naquela pequena e desprezível aldeia, onde sequer haveria alguém para ensinar as letras;
  • Jesus teria sido pedreiro (ofício ainda menos rentável que o de carpinteiro) e possivelmente tenha trabalhado em Séforis, cidade greco-romana mais próxima de Nazaré e que estava sendo reconstruída pelos romanos no período da vida adulta de Jesus;
  • Jesus teria sido um dos discípulos de João Batista, dando continuidade ao ministério deste após sua morte, mas com a sua própria mensagem;
  • Jesus teria feito seu ministério público tal como um mendigo, ou filósofo cínico, que pregava perambulando pelas aldeias sem ter onde dormir;
  • Jesus teria sido apenas mais um dentre os vários pregadores apocalípticos judeus que surgiram antes e depois dele;
  • Jesus teria tido menos seguidores do que se pensa e o número de apóstolos talvez se resumisse a seis ou sete – doze teria sido uma invenção posterior da igreja;
  • Jesus não teria realizado milagres de qualquer natureza, mas era reconhecido pelo povo como curandeiro e exorcista;
  • Jesus não teria desejado morrer na cruz para salvar ninguém, mas esperava por uma intervenção divina apocalíptica que não ocorreu;
  • Jesus teria sido crucificado por causa de sedição - ou seja, pela suspeita de que liderava um movimento contrário ao imperialismo romano - e não por causa de seu discurso religioso;
  • Jesus não teria sido sepultado, mas lançado numa vala comum, como os demais condenados à crucificação, e seu corpo logo teria sido comido por animais;
  • Jesus não teria ressuscitado.

Por favor, examine mais uma vez a listagem acima. Não é fantástico que alguém tão medíocre assim, como se revela "Jesus" nos parâmetros históricos, tenha se tornado o personagem mais famoso e querido de toda a história? 

Seria mesmo possível que tudo mais quanto se lê no Novo Testamento acerca de Cristo tenha sido inventado? Como poderia tamanha mentira ir adiante, uma vez que muitas pessoas que conheceram Jesus ainda estavam vivas enquanto Paulo pregava e escrevia suas epístolas sobre Cristo? E por que alguém tão insignificante teria sido tão popularmente comentado a ponto de sua memória ser preservada numa tradição oral que deu origem aos evangelhos? E por que os evangelhos inventariam fatos que complicariam sua credibilidade, tal como um dos apóstolos tê-lo traído, ou sua ressurreição ter primeiro sido atestada por mulheres? E por que os discípulos de Cristo dariam sua vida por algo que soubessem não ser verdade?

Enquanto os pesquisadores do Jesus histórico buscam, de todas as formas, comprovar a humana divinização de Jesus, para mim parece claro que, quanto mais frágil e humano ele se revela, tanto maior se torna o assombro, o milagre e a certeza de sua divindade. Ao menos para mim. 

Sinceramente, esse foi o resultado a que tais estudos me levaram. Agora percebo, impactado, que há um propósito divino na mais humilhante possível humanização de Cristo, bem como na atual redescoberta desse Jesus frágil, desse Jesus homem. A saber: a nossa própria e definitiva conversão a ele.

Alan Capriles
Notas
[1] A respeito das discrepâncias nos evangelhos, confira meu artigo intitulado As Divergências nos Evangelhos Sinóticos.
[3] Lair Amaro Faria é autor da excelente obra “Quem vos ouve, ouve a mim: oralidade e memória nos cristianismos originários”, a qual pode ser encomendada pelo site da editora Kline: http://www.klineeditora.com/catalogos.html

Referências bibliográficas
CHEVITARESE, André L. & FUNARI, Pedro Paulo. Jesus Histórico: Uma Brevíssima Introdução. Rio de Janeiro: Kline Editora, 2012.
THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette. O Jesus Histórico: um Manual. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
ASLAN, Reza. Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

06 março 2015

FACEBOOKCÍDIO

Por Alan Capriles

Estou morto. Levei quase um mês para comprovar isso, mas agora não tenho mais dúvidas: morri mesmo! Ao menos para aqueles contatos do Facebook que tanto me pediram para que eu não cancelasse minha conta, dizendo-me quanta falta eu lhes faria...

Na verdade, essa impressão funesta, que hoje é uma certeza, começou desde quando comuniquei que cancelaria meu perfil no Facebook. O comunicado ocorreu cerca de duas semanas antes de fazê-lo. Eu precisava desse tempo para divulgar aos contatos o meu email e alguns endereços que mantenho na internet. Mas isso também deu margem para que alguns comentassem sobre a minha decisão – não foram muitos, creio que apenas dois por cento dos 791 contatos que eu mantinha. Dentre esses poucos, houve cerca de meia dúzia que insistiu bastante para que eu mudasse de ideia. Mas o que achei estranho (e um pouco assustador) foi o modo como eles tratavam do assunto, dando a impressão de que eu fosse cometer um suicídio. Parecia que eu estava pra morrer de verdade! Um deles escreveu que já se despedira de mim, revendo algumas fotos dos meus álbuns. Detalhe: ele mora no bairro vizinho ao meu. Outro fez um comentário que se parecia com uma carta deixada num túmulo, como se nunca mais pudéssemos nos ver, ou entrar em contato novamente.

Comovido, decidi não ser tão radical. Cancelei meu perfil, mas mantive no Facebook somente uma de minhas páginas, a fim de divulgar meus trabalhos e pensamentos. Apesar de ser muito diferente de um perfil social, uma página também pode ter seguidores e suas publicações podem receber curtidas e comentários. O fato surpreendente é que, mesmo após eu convidar meus quase 800 contatos para curtirem minha página, menos de 200 passaram a segui-la. Ora, isso foi muito revelador: mais de 600 “amigos” parecem não dar a mínima para o que eu escrevo! Sinto que passei a conhecer mais sobre o que é o Facebook na minha saída do que durante o tempo em que nele permaneci.

Mas o melhor vem agora: desses quase 200 que curtiram – e que supostamente passaram a seguir minha nova página – menos de dez pessoas costumam comentar ou curtir minhas postagens. É um grupo seletíssimo! E não pense que estou falando daqueles poucos amigos que insistiram para que eu não cancelasse meu perfil. Acredite se quiser: nenhum dos que imploraram para que eu ficasse até hoje comentou ou curtiu coisa alguma em minha página. É isso mesmo: participação zero! Ao cancelar meu perfil no Facebook eu literalmente morri pra essas pessoas...

Confesso que fiquei triste, mas não por mim. Fiquei triste por haver pessoas que passam a nos enxergar como um ser virtual, que necessita aparecer numa tela para se comprovar vivo. Agora que estou fora desse aquário, vejo claramente que o Facebook é um tipo de Second Life, jogo no qual se assume um avatar, controlado por você, mas que não é você. O problema é que alguns assumem essa segunda vida como se fosse uma vida real, coisa que também não é. A tão condenada inversão de valores chegou a esse ponto, de se pensar que não há vida fora de uma suposta rede virtual. Mas, apesar de morto no Facebook, sinto que estou mais vivo do que nunca. Acredite, por mais incrível que hoje possa parecer: existe vida além da internet.

Alan Capriles


17 fevereiro 2015

POR QUE CANCELEI MEU PERFIL NO FACEBOOK

Por Alan Capriles

A notícia de que eu cancelaria meu perfil no Facebook causou mais surpresa a mim mesmo do que nos 791 contatos que eu mantive até Fevereiro de 2015. Digo isso porque durante os últimos quatro anos eu havia sido um usuário bastante ativo, publicando textos diariamente , criando álbuns de fotos, curtindo e compartilhando assuntos que eu julgava interessantes. Além desse uso, que é o habitual, o Facebook ainda facilitou muito a divulgação de minhas outras páginas na internet, tais como meu blog, site e perfil no YouTube. E mesmo eu nunca tendo gostado muito de bate-papo pela internet (por isso eu sempre entrava off-line) reconheço que o Facebook ainda foi uma ferramenta bastante útil e prática na comunicação com diversos contatos, especialmente com os amigos mais distantes. Aliás, por falar em amigos, creio que o melhor de tudo foi reencontrar no Facebook amigos que eu não via desde a época da escola – e com os quais me encontrei depois pessoalmente. Pois bem, como se vê, não havia qualquer indício de que eu estivesse insatisfeito com essa rede social. Mas a verdade é que eu estava insatisfeito. Muito insatisfeito.

Agora que escrevo com mais liberdade, pois no Facebook a gente não pode escrever muito (senão ninguém lê) posso explicar melhor as razões de minha saída:

#1 – O Facebook não é grátis.
Nós pagamos pelo Facebook. Pagamos com nossas informações pessoais, que são vendidas para empresas associadas ao Facebook. Não gosto de me sentir usado, como se fosse um produto, mas é isso que realmente somos nessa rede social comercial.

#2 - Não há privacidade no Facebook.
Tudo que publicamos nessa rede pode ser acessado segundo os interesses da empresa e dos governos aos quais ela se associa, a começar pelos EUA. Em outras palavras, no Facebook (que já conta com mais de 1,4 bilhão de usuários) estamos mais expostos e vulneráveis do que em qualquer outro ambiente virtual. Não gosto de me sentir monitorado. Além disso, tanto poder assim nas mãos de uma só empresa... Certamente isso não vai acabar bem.

#3 – Não há realidade no Facebook.
Como analisou muito bem um amigo, no Facebook “as pessoas são mais bonitas (escolhem as fotos), são mais inteligentes (copiam coisas legais), são mais religiosas (colocam textos da bíblia), são mais sociais, pois interagem com todos (não precisam dizer verdades, pois aqui somos todos personagens)." Pois bem, cansei dessa farsa. Prefiro lembrar que as pessoas são pessoas, e não semideuses que nunca sofrem, que estão sempre sorrindo. Aliás, estudos comprovam que esse hábito de só publicarmos fotos felizes aumenta a depressão em usuários que tem essa tendência. De fato, certa vez visitei uma pessoa que estava deprimida e que me disse não compreender como todos eram felizes, menos ela. Perguntei de onde havia tirado essa ideia absurda, ao que me respondeu: “Do Facebook, é claro.”

#4 – O Facebook toma muito de nosso tempo.
Não conheço nada que tenha mais sucesso em nos distrair e tomar nosso tempo que o Facebook. Dizem que o WhatsApp também é assim, mas como nunca usei (e nem pretendo usar) não posso afirma-lo. Mas quero revelar minha própria experiência: quantas vezes liguei o computador a fim de realizar algum trabalho, mas não consegui concluí-lo (ou sequer começa-lo) por cometer o erro de primeiro dar uma espiadinha no Facebook. Essa rede nos fisga de tal maneira que a gente se esquece de tudo e não sente o tempo passar! Confesso que antes de ser usuário desta rede eu conseguia produzir muito mais artigos, estudos e vídeos, pois meu tempo era mais bem aproveitado. Agora que estou novamente livre do Facebook espero voltar a ser produtivo como antes.

#5 – O Facebook causa mal entendidos.
Aceitei pessoas demais como "amigos" e acabei não conseguindo acompanhar todo mundo. Como resultado, eu curtia algo aqui e não curtia ali - não porque eu desprezasse a pessoa que publicou, mas simplesmente porque não me apareceu a sua publicação. Mas nem todos compreendem isso, de tal modo que por mais de uma vez me perguntaram: por que você não curtiu o que eu postei? Sinceramente, cansei disso também...

#6 - O Facebook nos torna narcisistas.
Como qualquer outra rede social, o Facebook faz com que nos sintamos na obrigação de nos mostrarmos bonitos, inteligentes, engraçados e vitoriosos para todo o mundo. Com o tempo, passamos a ser mais amantes de nós mesmos do que deveríamos ser. Confesso que antes do Facebook eu me sentia mais humilde e menos dono da verdade.

#7 – O Facebook gera discórdias.
Muito do que escrevemos em postagens e comentários é mal compreendido e acaba gerando desavenças desnecessárias. Minha relação com alguns bons amigos ficou prejudicada por causa disso – um preço alto demais para se pagar. Além disso, cansei de ver pessoas a quem quero bem escrevendo indiretas a minha pessoa em suas postagens. E se porventura não foram indiretas, se tudo não passou de um mal entendido, fica comprovado que o Facebook é isso mesmo que eu disse: um causador de discórdias.

#8 - O Facebook não é uma rede social.
Poderíamos avaliar corretamente o Facebook como um instrumento antissocial, pois o fato é que essa rede questionavelmente "aproxima" quem está longe, mas literalmente afasta quem está perto – como, por exemplo, minha esposa, meus filhos e melhores amigos. Prefiro perder o Facebook a perder minha família e aqueles que precisam de minha real companhia.

Todos os motivos acima são verdadeiros, mas ainda tem mais uma coisa. Eu não seria completamente honesto se omitisse o fator espiritual, ou seja: sinto que Deus me direcionou a sair desta rede. E talvez porque, como seguidor de Cristo que sou, não seja mesmo possível conciliar o Facebook com certos mandamentos de Jesus, tais como o "negue-se a si mesmo", ou a proibição de me exaltar. Além disso, o mundo não é uma curtição, tal como o botão “curtir” do Facebook tenta nos fazer acreditar. Há uma mensagem subliminar nisso e me parece que poucos estão percebendo como essas curtidas afetam nosso ser. O fato é que o Facebook não nos deixa mais inteligentes, mas talvez nos torne mais bobos. Não quero ofender ninguém, mas se você também é um seguidor de Cristo, desperte para a seriedade de nossa missão e deixe essa brincadeira tola para trás. Muitos cristãos dizem que estão evangelizando pelo Facebook, mas a realidade é que ninguém se converte dessa forma. Evangelizar numa rede como essa, repleta de porcarias, é como falar de Jesus no meio de um bloco de carnaval. Ninguém sequer escutará você! Pode ser que por um segundo alguém pense em algo que você escreveu, mas logo em seguida se apagará de sua memória, pois ela estará dando gargalhadas por alguma outra publicação.

Mas, sinceramente, não quero influenciar ninguém. Se você é mais forte do que eu, glorifico a Deus por isso. Porém, quanto a mim, senti que o Facebook estava fazendo mal para a minha alma, para a minha família e para o meu ministério. Senti que eu precisava fazer uma escolha. E, é claro, escolhi obedecer a Jesus.

Alan Capriles

P.s.: Em 15 de Fevereiro de 2015 cancelei meu perfil pessoal no Facebook, mas, atendendo a pedidos, mantive uma página chamada A Verdade em Amor para divulgar textos como esse, ou minhas pregações. Não se trata de um perfil, no entanto, essa página também será excluída após cumprir seu papel.


02 fevereiro 2015

A CRUZ DO FACEBOOK


Por Alan Capriles

Dentre os mais de um bilhão de usuários do Facebook, certamente já ocorreu a mais alguém a seguinte pergunta:

- Por que a logomarca da maior rede social do mundo é um f minúsculo e não maiúsculo, como seria de se esperar?

Pensar nisso nos conduzirá, inevitavelmente, a uma nova questão:

- O que não há na imagem do F maiúsculo para que o mesmo fosse descartado da logomarca do facebook?

Após refletir um pouco, nada mais encontrei senão isto: a similaridade do f minúsculo com o formato de uma cruz. Ora, no maiúsculo isso não acontece. Não estou sugerindo que o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, seja cristão. Ele mesmo declara ser ateu. Mas, então, por qual motivo um ateu permitiria a ideia da cruz na logomarca de sua empresa? Antes de arriscarmos uma resposta, consideremos que a letra f minúscula, embora lembre o formato de uma cruz, não é uma cruz perfeita, mas encurvada na parte superior. Isso me levou a pensar se existiria algum tipo de cruz com esse formato específico.

Qual não foi minha surpresa ao lembrar-me do falecido papa João Paulo II. Ele costumava carregar um estranho cajado, o qual continha no alto um enorme crucifixo que se entortava na ponta. A preferência desse papa por um crucifixo com esse formato gerou bastante polêmica na época de seu pontificado. E não é pra menos: o crucifixo vergado teria sido uma criação de satanistas no século VI para distorcer a imagem de Cristo e representar a marca da besta em seus rituais.[1]


Mas a logomarca do Facebook tem ainda maior semelhança com outro aparato, também utilizado por adeptos do satanismo. Trata-se da chamada cruz da confusão, ou cruz satânica. Segundo sites que estudam o ocultismo, a parte encurvada representa um ponto de interrogação, cujo propósito seria questionar a eficácia do sacrifício de Jesus na cruz pela salvação da humanidade.[2] 

Essa interrogação aparece na parte de baixo porque no satanismo toda cruz é representada de forma invertida. Mas, ao ser novamente colocada na posição correta, torna-se evidente a semelhança com a logomarca do Facebook.

Até mesmo o tom azulado dessa logomarca não ocorreria por acaso, pois o azul é a cor que se relaciona diretamente com Lúcifer nas práticas ocultistas.[3] Aliás, a cruz satânica ainda representaria os três príncipes infernais: Satanás, Belial e Leviatán. Exatamente por isso quem se utiliza dessa cruz estaria indicando sua completa sujeição a Lúcifer.[4]

Confesso que, ao chegar nesse ponto de minhas pesquisas, meu primeiro impulso foi concluir que tudo isso não passa de uma grande coincidência. A cor azul, por exemplo, predominante no Facebook, não seria por causa de uma consagração dessa rede social a Lúcifer, mas sim porque Mark Zuckerberg possui um tipo raro de daltonismo, que o impede de fazer distinção entre o vermelho e o verde.[5]

Mas o que me manteve intrigado foi descobrir que há indícios de que Zuckerberg seja mesmo praticante de ocultismo. Um dos exemplos mais convincentes ocorreu durante uma entrevista, na qual ele precisou retirar sua jaqueta, pois estava banhado em suor.[6] Sem que ele tivesse tempo de reagir, a repórter tomou de suas mãos a jaqueta, na qual se revelou algo inesperado e muito estranho: escondido na parte interior da mesma havia um enorme desenho circular, com inscrições e uma estrela de seis pontas ao centro com o número 2010. Impossível ver essa imagem e não pensar em algo como magia negra, ou satanismo - especialmente se considerarmos que 2010 foi considerado o melhor ano para o Facebook e também para seu criador, que foi eleito a personalidade do ano pela revista Time. [7]

Ainda reluto contra essa ideia, pois me parece absurdamente fantasiosa. Senão, vejamos: a logomarca do Facebook seria propositalmente um f minúsculo para que se pareça com uma cruz satânica, chamada de cruz da confusão; essa cruz, por sua vez, representa uma ligação com Lúcifer, cuja cor é o azul; não por acaso, o azul é a cor predominante do Facebook, a qual ninguém pode alterar (diferentemente do extinto Orkut); tudo isso seria um indício do pacto que Zuckerberg teria feito com Lúcifer para obter sucesso a nível mundial; o estranho desenho na jaqueta do criador do Facebook confirmaria sua prática ocultista; no centro da imagem, 2010, considerado como o melhor ano do Facebook

Acho que fui mesmo longe demais... Eu mesmo não consigo acreditar em nada disso! Por outro lado, durante minhas pesquisas me deparei com duas coincidências que não consigo desconsiderar:

A primeira delas é o improvável (mas talvez não impossível) propósito que haveria no Facebook de se gerar confusão entre os homens. De fato, essa rede social tem trazido perturbação na vida de milhares de pessoas. Se por um lado o Facebook “aproxima” quem está longe, por outro afasta quem está perto. Tenho certeza que a maioria dos leitores conhece pelo menos um caso de briga conjugal, ou mesmo de adultério, no qual o Facebook faça parte da história. Sem se falar no vício que essa rede social tem gerado na vida de pessoas que já não conseguem mais viver em sociedade, nem mesmo com familiares que vivem sob o mesmo teto. Alguém dirá que tais pessoas fazem mau uso do Facebook. Mas, pergunto eu, como seria o bom uso? A invenção do botão “curtir”, por exemplo, tem gerado mais discórdias do que amizades. E a necessidade inconsciente de se curtir tudo que seus “amigos” publicam tem tomado cada vez mais o precioso tempo dos usuários. Sem se falar nos comentários, que geralmente são mal interpretados (pois também são mal escritos) e acabam gerando confusão nos relacionamentos onde antes havia paz.  Como se não bastasse, muitos parecem ficar paranoicos na rede, compartilhando tudo que lhes está ocorrendo, chegando ao absurdo de publicar até mesmo a foto do que estão para comer! Esses, que já não conseguem viver desconectados, talvez não percebam que tal conexão é que lhes tem roubado a verdadeira vida.[8]

A segunda e última coincidência seria o suposto propósito de se questionar a eficácia do sacrifício de Jesus pela salvação da humanidade. De fato, poucas coisas são tão deprimentes para um pastor (como é o meu caso) quanto se examinar no Facebook a linha do tempo de certas pessoas que se dizem cristãs. Impossível não me questionar se foi para isso que Jesus morreu na cruz, ou seja, para gerar esse tipo de discípulos, que vivem completamente distraídos de sua missão. Se o Facebook é mesmo um terreno maligno, deveríamos entrar nele como sabotadores do seu propósito de aprisionar as pessoas – e não como seus usuários mundanos, que compartilham das mesmas porcarias que a maioria tem curtido.

Será que estou sugerindo que o diabo esteja por detrás disso? E não somente disso, mas também de outras redes similares, tais como Twitter e WhatsApp, que igualmente tem aprisionado milhões de almas no vício da internet? Bem, seja você crente, satanista, ou mesmo ateu (como se diz o criador do Facebook), de uma coisa podemos ter certeza, e nisso eu acho que todos nós estamos de acordo:

Deus não tem mesmo nada a ver com isso.

Alan Capriles

Notas

[1] "Vejamos o que diz o autor católico Piers Compton, em seu livro The Broken Cross: Hidden Hand in the Vatican, Neville Spearman, 1981. Este crucifixo vergado é "... um símbolo sinistro, usado pelos satanistas no século VI, que foi novamente colocado em uso ao tempo do Concílio Vaticano II. Nesse crucifixo vergado, era exibida uma figura repulsiva e distorcida de Cristo, que todos os praticantes de magia negra e feiticeiros da Idade Média usavam para representar o termo bíblico "Marca da Besta". Entretanto, não somente o papa Paulo VI, mas seus sucessores, os dois Joões, João Paulo I e João Paulo II, carregavam esse objeto e o exibiam para ser reverenciado pelas multidões, que não tinham a menor idéia que representa o Anticristo." (pág. 72). Na página 56, Compton mostra uma fotografia do papa João Paulo II, segurando essa cruz vergada, exatamente como mostramos aqui."

[2] "O ponto de interrogação, logicamente, questiona a divindade de Cristo e a validade do Seu sacrifício na cruz do Calvário. É usada pela Nova Era e pelo Satanismo."

[3] "A cor de Lúcifer é azul, azul-elétrico. A maioria dos demônios também tem a aura azul. Aqueles de nós que viu o Inferno concorda que ele tinha uma aura azul. USE AZUL."
http://alegriadesatan.weebly.com/ritual.html

[4] "En el marco del ocultismo representa a tres príncipes infernales: Satanás, Belial y Leviatán. Connota una completa sujeción a Lucifer, y era antiguamente usado por los romanos."

[5] "Segundo Zuckerberg, azul é a cor dominante do Facebook porque é a cor que ele mais enxerga. “Azul é a cor mais rica para mim – eu posso ver todo o azul”, disse."

[6] Vídeo com a entrevista:
http://youtu.be/G4XGbZ7IrC8


[8] Dica de leitura: VERTIGEM DIGITAL - Porque as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando. Andrew Keen - Editora Zahar.
http://www.zahar.com.br/sites/default/files/arquivos/r1331.pdf

13 novembro 2014

FATOS OU BOATOS?

Dez dicas para uma boa investigação 



Por Alan Capriles

Há um velho ditado popular que diz que "papel aceita tudo".  Obviamente, esse ditado é um alerta para quem se precipita em dar crédito a tudo quanto está escrito em jornais, livros, revistas, cartazes, etc. Papel aceita tudo, logo, papel aceita verdades, mentiras, história, ficção, fatos e boatos. Mas, a despeito disso, muitos acreditam em algo apenas porque estava escrito em algum lugar – é o fascínio da escrita sobre um pedaço de papel. Agora pense naquilo que nos é apresentado através de sites, blogs e redes sociais na internet. Pense naquilo que não está escrito num papel, mas numa tela brilhante e bem mais atraente aos nossos olhos, tornando o fascínio ainda muito maior. Ora, sei que pareço ridículo ao dizer algo tão evidente, mas, assim como acontece com o papel, a tela também aceita tudo.

Mas esse lembrete não é desnecessário. Tenho ficado estarrecido com certos textos e vídeos nos quais pessoas leigas (e aparentemente bem intencionadas) dizem absurdos sobre todo tipo de assunto, sem qualquer fundamentação sólida, mas como se fossem experts no tema tratado. O que mais me espanta é que sempre há simpatizantes motivados, que curtem sem pesquisar e ainda compartilham a desinformação! Não sabem discernir o certo do duvidoso e se apressam em acreditar cegamente em qualquer besteira, tornando-se coniventes com a corrente da mentira e, às vezes, do ódio – mas com a melhor das intenções.

Mediante essa crescente boataria que se espalha na internet e que caracteriza toda rede social, nossa constante disposição mental deveria ser o mais prudente ceticismo. Duvidar sempre, ao invés de se apressar em crer ou descrer. Não há outra forma de nos protegermos. Muita coisa que está sendo divulgada não passa de sensacionalismo e manipulação. Há interesses por detrás disso e a única forma de você comprovar o que estou dizendo é através da sua própria investigação. O problema é que muitos têm preguiça de fazê-lo e outros não sabem como realizar uma boa pesquisa. Sendo assim, deixo aqui (apenas para você, que não tem preguiça mental) algumas dicas que utilizo quando corro atrás de um fato, a fim de não ser vítima de um boato:

1º) Seja prudente e não se apresse em crer ou descrer de qualquer notícia, apenas procure ser imparcial. Os fatos que você pesquisar é que lhe farão concluir uma coisa ou outra.

2º) Averigue se o que está sendo dito tem respaldo, ou seja, se o indivíduo que gravou um vídeo, ou escreveu um texto, apresenta provas contundentes do que está sendo afirmado, ou se é somente blá, blá, blá...

3º) Se o indivíduo não apresentou provas, procure por elas. Se apresentou, confira se as fontes são mesmo confiáveis. Não seja preguiçoso, confira tudo!

4º) Se você mesmo tiver que ir atrás das provas, comece pelos mecanismos de busca da internet (Google, Yahoo, Bing) e compare os resultados que surgirem. Isso levará tempo, mas na medida em que você for pesquisando, tanto mais isso irá motivá-lo a prosseguir.

5º) Confira a data de seus resultados e analise-os em ordem cronológica. Muita coisa que hoje é divulgada como se fosse atual, tem às vezes quatro anos ou mais de existência. São assuntos que já foram solucionados, às vezes até desmascarados, mas que ressuscitam graças às redes sociais e à desinformação da maioria, que os compartilha sem qualquer pudor.

6º) Muito cuidado com informações contidas em blogs ou sites de caráter ideológico. Geralmente eles divulgam textos ou vídeos de cunho sensacionalista, que não contém respaldo algum do que está sendo dito.

7º) Prefira recolher informações contidas em sites de notícias que tenham maior credibilidade e depois cruze esses dados, sempre lembrando de conferir as datas. Se houver divergência, continue investigando até chegar a uma inevitável conclusão.

8º) Seja honesto em sua pesquisa e não permita que seus preconceitos ideológicos interfiram no seu resultado.

9º) Divulgue o que você descobriu, mas sempre apresentando provas que contenham dados irrefutáveis. Coloque todos os links no seu texto, ou vídeo, a fim de que seus contatos possam confirmar a veracidade dos fatos.

10º) Tenha bom humor e leve na esportiva os ataques que receberá em troca. Ignore comentários que não contenham uma verdadeira contraprova. Muita gente fica chateada por ter acreditado num boato e, ao invés de lhe agradecer a informação, irá lhe ofender com ataques pessoais. Aproveite para treinar sua paciência, tolerância e respeito para com o próximo.

Encerro aqui minhas dicas para uma boa investigação. Espero que lhe seja útil e que, assim como eu, você também seja mais cuidadoso na divulgação de informações e notícias. Talvez possamos contribuir para que haja um pouco mais de bom senso na internet. Não que eu tenha muitas expectativas nesse sentido. No final de contas, cada um é livre para acreditar no que quiser. Uns acreditam em fatos, outros, em boatos. E, só pra constar, a escolha também é sua.

Alan Capriles

12 setembro 2014

APASCENTANDO OVELHAS OU ENTRETENDO BODES?

Por Charles Haddon Spurgeon

Algo mal acontece no declarado arraial do Senhor, tão grosseiro em seu descaramento, que até os cegos espirituais dificilmente deixarão de perceber. Este mal tem se desenvolvido em proporções anormais durante os últimos anos e vem agindo como o fermento, até que toda a massa fique levedada. Raramente o diabo fez algo tão engenhoso quanto sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo.

Da pregação ousada, como faziam os Puritanos, a igreja foi baixando o tom de seu testemunho; depois, tolerou e justificou as frivolidades de sua época, para, em seguida, começar a aceitá-las em suas fronteiras; agora, a igreja as adotou sob o pretexto de ganhar as multidões.

Meu primeiro argumento é este: as Escrituras não afirmam, em parte alguma, que prover entretenimento para as pessoas é uma função da igreja. Se esta é uma obra cristã, por que o Senhor Jesus não falou sobre ela?

"Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura." (Mc 16:15) Isto está bastante claro. Se Cristo tivesse acrescentado: "E oferecei entretenimento para aqueles que não gostam do evangelho", assim teria acontecido. No entanto, não se encontram tais palavras. Nem sequer lhe ocorreram.

E mais: "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres" (Ef 4:11). Onde aparecem nesse versículo os que providenciariam entretenimento? O Espírito Santo silenciou a respeito deles. Os profetas foram perseguidos porque divertiam as pessoas ou porque recusavam-se a fazê-lo? Os concertos de música não têm um rol de mártires.

Em segundo lugar, prover distração está em direto antagonismo ao ensino e à vida de Cristo e de seus apóstolos. Qual era a atitude da igreja em relação ao mundo? "Vós sois o sal da terra", algo que o mundo desprezará, não o "docinho". Pungente e curta foi a afirmação de nosso Senhor: "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos". Ele estava falando com terrível seriedade!

Se Cristo tivesse introduzido mais brilho e elementos agradáveis em seu ministério ele teria sido mais popular, ao invés de as pessoas O deixarem por causa da natureza inquiridora do seu ensino. Porém, não O vejo dizendo: "Pedro, corra atrás do povo e diga-lhe que teremos um culto diferente amanhã, algo atraente e breve, com pouca pregação. Teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que com certeza gostarão desse tipo de culto. Vá logo, Pedro, temos de ganhar as pessoas a qualquer custo!"

Jesus teve compaixão dos pecadores, lamentou e chorou por eles, mas nunca procurou entretê-los.

Pesquisaremos em vão as cartas do Novo Testamento a fim de encontrar qualquer indício deste evangelho de entretenimento. A mensagem das cartas é: "Retirai-vos, separai-vos e mantenham-se afastados!" É evidente a ausência de qualquer coisa que tenha aparência de brincadeira. Os apóstolos tinham confiança irrestrita no evangelho e não utilizavam qualquer outra arma.

Depois que Pedro e João foram encarcerados por pregarem o evangelho, a igreja se reuniu para orar, mas não suplicaram: "Senhor, concede aos teus servos que, por meio do prudente e discriminado uso da inocente recreação, mostremos a essas pessoas quão felizes nós somos." Eles não pararam de pregar a Cristo, por isso não tinham tempo para arranjar entretenimento para seus ouvintes. Espalhados por causa da perseguição, foram por todo lugar lugar pregando o evangelho. Eles "transtornaram o mundo." (Atos 17:6) Essa é a única diferença! Senhor, limpe a igreja de todo o lixo e futilidade que o diabo impôs sobre ela e traga-nos de volta ao método dos apóstolos.

Por último, a missão de prover entretenimento falha em alcançar os fins desejados. Ela causa danos entre os novos convertidos. Permita que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o alcoólatra para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! Ninguém irá responder! A razão é óbvia: a missão de prover entretenimento não produz convertidos verdadeiros.

A necessidade imediata para o atual ministro do evangelho é uma instrução bíblica fiel, bem como ardente espiritualidade; uma é resultado da outra, assim como o fruto procede da raiz. A necessidade de nossa época é a doutrina bíblica, de tal forma entendida e experimenta, que ponha os homens em chamas.

Charles Haddon Spurgeon
Pastor britânico (1834-1892)
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Leia também: As 12 razões para eliminar o entretenimento em sua igreja

Vídeos recomendados sobre Charles Haddon Spurgeon:
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07 agosto 2014

VOCÊ CONHECE A DEUS?

MEU COMENTÁRIO SOBRE UM VÍDEO ATEÍSTA



Por Alan Capriles

O vídeo em questão apenas reforça o que tenho afirmado: são as religiões que fomentam o ateísmo. Longe de ser uma prova da inexistência de Deus, o vídeo faz uma inteligente crítica às religiões criadas pelo homem - o que também inclui o cristianismo. Aliás, por falar em Cristo, vale ressaltar que, segundo os evangelhos, Jesus nunca orientou seus discípulos a tornarem-se católicos, protestantes, mórmons, adventistas, ou qualquer outro segmento que se diga cristão. De fato, Jesus nem parecia querer que seus seguidores se identificassem por um rótulo, como o de cristãos! [1] Uma análise mais profunda dos evangelhos ainda revela que Cristo não buscava iniciar uma nova religião, mas despertar as pessoas para o fato de que somos todos irmãos, filhos de um só Deus, cuja essência é o amor - sendo esse amor o caminho de retorno para o próprio Deus. [2]

O ensinamento de Cristo para toda a humanidade resume-se nisso: "Faça ao teu próximo o que você gostaria que ele fizesse a você." Em termos práticos: arrependa-se de toda prática do mal, perdoe o seu próximo e passe a lhe fazer o bem - isso é andar em amor e isso é ser salvo! Como concluiu Tiago em sua epístola: "a misericórdia triunfa sobre o juízo". [3]

Uma mensagem tão simples como essa, que Jesus pregava e vivia, certamente incomodava os religiosos de sua época, que complicavam o caminho da salvação com dogmas que nem eles mesmos conseguiam compreender e seguir. Seria cômico, se não fosse trágico, que o mesmo ainda ocorra hoje com aqueles que se dizem cristãos - os quais continuam complicando tudo e não aceitam a simples mensagem de que no amor há salvação, pois Deus é amor. Caso Jesus aparecesse novamente hoje, apregoando essa mesma mensagem, estou convencido de que muitos cristãos o expulsariam de seus templos, chamando-o de louco, condenando-o como herege - ou até mesmo rotulando-o como... ateu. [4]
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NOTAS
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[1] O termo cristão começou a ser usado de forma pejorativa, para ridicularizar os primeiros seguidores de Cristo. No entanto, por orientação dos apóstolos, isso tornou-se uma honra para os discípulos (1Pe 4:16) os quais,  nas gerações seguintes, vieram a criar os dogmas de uma nova religião: o cristianismo. Mas nada indica que Jesus tenha desejado criar uma nova religião, ou atacar as que já existiam. O relato dos evangelhos revelam que ele se mostrava neutro em relação a esse assunto. E a razão é simples: a evidência da salvação não está naquilo em que acreditamos (cada um acredita numa coisa) mas está naquilo que somos. Aquilo em que acreditamos pode nos influenciar a sermos pessoas melhores, ou piores, mas não são as crenças, em si mesmas, que nos salvam. Aliás, a salvação nem é algo que se dê somente após a morte, mas um estado de espírito que começamos a experimentar aqui e agora. Por isso Jesus dizia que o reino de Deus já havia chegado e que estava entre nós, ou em nós.

[2] Explico melhor isso em minha tese intitulada "A Salvação Segundo Jesus Cristo"

[3] "A misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tiago 2:13) é somente um dos muitos versículos que claramente confirmam que a prática do amor (ágape) como evidência de que alguém está trilhando o caminho da salvação - algo que não deve ser confundido com "salvação pelas obras". Outros dois versículos incontestáveis são estes: "Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados" (Lucas 6:37) e "Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele." (1João 4:16) A salvação não é apenas um destino onde se chega, mas sobretudo um caminho por onde se vai - e esse caminho é o amor, razão pela qual a misericórdia triunfa sobre o juízo.

[4] Sim, Jesus poderia ser chamado de ateu! Não é por acaso que os primeiros seguidores de Cristo foram acusados de ateísmo. Isso não se devia somente ao fato de que esses discípulos não adorassem imagens, pois os judeus também não as adoravam e, no entanto, não eram assim perseguidos. Os primeiros discípulos eram acusados de ateísmo porque, de fato, eles não defendiam nenhuma religião! Suas reuniões eram somente uma celebração da vida, onde eles se edificavam uns aos outros trocando suas experiências, relembrando o que Cristo os ensinou e onde comiam e bebiam em sua memória - adorando, não ao Nazareno, mas ao Logos que nele se manifestara. Eles não tinham templos, nem rituais, nem dogmas, mas apenas os ensinamentos de Cristo, que os faziam viver em simplicidade e amor. E, justamente por viverem em amor, eles também não condenavam  aqueles que frequentavam templos, ou seguiam rituais, ou dogmas, mas os orientavam a que se arrependessem do mal e se perdoassem mutuamente. Por isso, contavam com a simpatia do povo, que a cada dia convertia-se a essa forma de viver, abandonando seus falsos deuses e suas crenças vãs. (Atos 2:47)

Alan Capriles

28 julho 2014

TRADIÇÃO OU TRAIÇÃO?

Por Alan Capriles

Boa parte daquilo que ocorre no meio religioso pode ser chamado de tradição, ou seja, são práticas perpetuadas por gerações, mas que não possuem real valor para a fé que se diz professar. Em outras palavras, poderíamos viver muito bem sem elas – e, em alguns casos, muito melhor sem elas. No entanto, nem toda tradição é necessariamente negativa. Havendo coerência em tais práticas não há problema algum em mantê-las, especialmente quando servem para auxiliar em nosso desenvolvimento espiritual. O problema está nas tradições que contradizem ensinamentos essenciais da fé que se diz professar. Mais grave ainda é quando crentes decidem ignorar tais ensinamentos por causa de uma tradição. Nesse caso, uma tradição acaba se tornando não somente um empecilho, mas uma traição direta a essa mesma fé.

Encontramos no cristianismo diversos exemplos de tradições que contrariam o que Cristo ensinou. Estou certo de que no budismo também ocorra o mesmo em relação ao Buda, assim como no islamismo, em relação a Maomé.[1] Mas, como pastor, prefiro me ater ao cristianismo, especialmente em sua vertente evangélica – meio religioso que conheço muito bem, a ponto de sentir-me a vontade para questioná-lo. Certamente não conseguirei abordar todas as tradições evangélicas que se constituem numa traição a Cristo, pois temo que sejam muitas! No entanto, espero dar um ponto de partida, a fim de que o leitor faça suas próprias reflexões, descobertas e, se houver coragem, as devidas mudanças.

De fato, é preciso ter o mínimo de coragem para se questionar uma tradição. Recentemente, por exemplo, pensei que fossem me agredir apenas porque apontei, calma e educadamente, uma tradição cristã que se opõe ao que Cristo ensinou. Meu questionamento havia sido em relação às poltronas (geralmente luxuosas) que ficam sobre os altares de algumas igrejas e que dão proeminência para os pastores – uma tradição mantida pela maioria das igrejas evangélicas. Ora, por mais que isso pareça normal, não podemos negar que Cristo foi bastante claro em repudiar aqueles que fazem “as suas obras com o fim de serem vistos pelos homens” e que amam “as primeiras cadeiras” nos locais de culto. E ainda que o Senhor não tivesse sido tão direto, a simples lembrança de que “quem a si mesmo se exaltar será humilhado” deveria ser o bastante para que evitássemos qualquer autopromoção. Mas, lamentavelmente, esse é um cuidado que poucos crentes levam a sério.

E que tal isso: Jesus também ordenou que “o maior dentre vós será vosso servo”, todavia, na maioria das igrejas evangélicas o pastor é servido pelos demais irmãos – algo que é visto com a maior naturalidade. Não seria essa postura mais uma traição a Cristo que se passa por uma tradição cristã? Prova disso é que, como ocorre em toda tradição, fugir a essa regra não somente pode causar estranheza, mas também incômodo. Certa vez um pastor idoso que visitava nossa igreja não conseguiu se conter e repreendeu-me ao perceber que eu ajudava na preparação do culto. Segundo ele, que se julgava bastante experiente no ministério pastoral, deveria eu ficar sentado e não fazer coisa alguma, sugerindo que nós, pastores, seríamos diferentes dos demais irmãos. Prontamente o indaguei: “Mas não foi o próprio Senhor Jesus que disse ter vindo para servir e não para ser servido?” Como eu já imaginava, aquele pastor mudou de assunto e não me deu resposta. Mas, isso não importa – todos nós sabemos que não somos melhores do que Jesus. Da mesma forma, nossas tradições também não estão acima do que Cristo nos ensinou; mas, a despeito disso, milhares de igrejas as mantêm – na maioria das vezes, numa descarada traição ao Senhor.

Outro exemplo desse tipo de traição (alguém poderá rir) é a chamada cantina. Não tenho dúvidas de que esse comércio se tornou uma tradição, pois a cantina está presente em praticamente todas as igrejas evangélicas, funcionando logo após, ou mesmo durante a realização dos cultos. Reconheço que a prática dos cristãos comerem juntos é antiquíssima, remontando ao período apostólico, no qual esses encontros foram apelidados de ágapes. Ora, não há nada de errado nisso. Quando comemos juntos estamos fortalecendo a comunhão e promovendo o amor ao próximo, razão pela qual o termo ágape servia muito bem para tais ocasiões, nas quais o alimento era compartilhado. O problema é que hoje raramente se encontra uma igreja caracterizada pelo amor, ao menos não nesse sentido, pois tudo que se quiser comer ou beber será vendido na cantina – e não doado, como deveria ser. Quem tiver dinheiro, compra; quem não tiver, vai embora com fome. Ou então terá que passar pelo constrangimento de pedir, como já foi sugerido por certo pastor, que sempre anunciava no final de cada culto: “Temos cantina, mas se você não tem como pagar, venha falar comigo.” Até hoje não sei se o pastor pagava por esse lanche, ou se apenas emprestava o dinheiro. Seja como for, por que fazer alguém passar pelo constrangimento de dizer que está duro? Não seria muito melhor acabar com esse comércio e dar de graça o lanche para os irmãos?

Poucos percebem que a cantina, ou lanchonete, não é somente uma tradição nas igrejas, mas também uma traição a Cristo, que nos ensinou justamente o contrário dessa prática. Ou alguém se esqueceu de que foi o próprio Jesus quem expulsou os vendilhões do templo? O recado por trás disso é bastante claro, não fosse ele distorcido por pregadores que tratam de espiritualizar essa passagem bíblica, ao se alegar que o Senhor estaria somente ilustrando a purificação do nosso corpo, o templo do Espírito Santo. E assim, com essa manobra teológica, a cantina tem permanecido, fazendo com que a chamada “casa de Deus” continue sendo lugar de comércio e não da prática de amor ao próximo.

O mesmo aplica-se ao chamado bazar beneficente. Irmãos trazem roupas usadas que depois serão vendidas para a comunidade, geralmente na porta da igreja. Ainda que sejam repassadas por um preço acessível, não seria mais correto que essas roupas fossem doadas? De acordo com o que Jesus nos alertou, devemos proceder de tal forma que, no dia do juízo, o Senhor nos declare: “estava nu e me vestistes”. Ora, isso é muito diferente de “estava nu e me vendestes uma peça de roupa, bem baratinho.” Aliás, nem costuma ser mais tão baratinho assim...

Se você é um cristão evangélico sincero, certamente decidirá romper com essas tradições, mas devo alertá-lo: não espere que sua postura seja aplaudida pelos demais membros de sua igreja. Basta lembrarmos que o próprio Jesus também sofreu com isso, sendo acusado pelos religiosos de estar desprezando a tradição dos anciãos. Sua resposta foi um questionamento que continua válido para os religiosos de nossos dias: “E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês?”[2]

Ora, dois mil anos se passaram, mas, como já foi demonstrado, continuam existindo tradições que se opõem à vontade de Deus. O apego a essas tradições é algo extremamente danoso, pois significa preferir o que aparentemente “dá certo” em lugar do que realmente “é certo”. Parece não haver nada de errado nas poltronas sobre o altar, pois elas têm a finalidade prática de facilitar que os pastores supervisionem o culto; mas aqueles que nelas se assentam poderão sentir-se orgulhosos e soberbos – especialmente se essas poltronas forem mais luxuosas que o assento dos demais irmãos – o que não é correto. A cantina pode até facilitar a vida de alguns membros da igreja, os quais não precisarão procurar uma lanchonete após o culto, mas também poderá gerar constrangimento nos irmãos mais pobres, que não terão dinheiro para comprar um lanche. Nesses dois casos, assim como nos exemplos anteriores, não vale à pena insistir na tradição, mas abandoná-la de uma vez por todas! Da mesma forma, deveríamos rejeitar a obrigatoriedade do uso de gravata e paletó para se pregar, algo que se torna sacrificante num país tropical como o Brasil, especialmente no verão. 

Por outro lado, há tradições cristãs que são inofensivas, tais como a bênção apostólica proferida no final de cada culto, ou o cumprimento dos pastores junto à porta de saída do templo, ou ainda a apresentação de crianças recém-nascidas à igreja. Outras, por conseguinte, somente serão tradições inofensivas quando houver a compreensão de que se tratam exclusivamente de tradições e não de mandamentos essenciais à fé. 

Como exemplos de tradições que costumam ser confundidas com ordenanças, podemos citar a prática do dízimo e a edificação de templos. Ainda que não seja errado fazer uma coisa ou outra, torna-se errado quando alguém as confunde com obrigatoriedade, condenando quem decida ofertar livremente, ou quem preferira congregar nos lares, ao invés de filiar-se a denominações cristãs. É importante lembrarmos que a entrega de dízimos, assim como a edificação de templos, não são mandamentos da parte de Deus (ao menos não na Nova Aliança), mas práticas que podem ou não auxiliar em nosso desenvolvimento espiritual. O dízimo, por exemplo, só será benéfico se for entregue espontaneamente e não sob ameaças de maldição; e o templo, por sua vez, se for visto como um local para reuniões e não como “casa de Deus”.[3] Ainda que haja muito barulho a respeito desses temas, o fato é que estamos falando de tradições – tradições sem as quais a igreja de Cristo sobreviveu muito bem nos três primeiros séculos de sua história. Os primeiros cristãos compreendiam que a prática do dízimo judaico caiu juntamente com os muros do templo de Herodes, ao qual ele se destinava. Compreendiam também que a igreja somos nós e não uma construção de pedra, razão pela qual se reuniam nos lares. Por conseguinte, não há nada de errado se, por necessidade de um espaço maior, cristãos decidirem alugar, comprar ou construir uma edificação – contanto que os gastos com esse local não ultrapassem o básico necessário.[4] Também não há nada de errado se cristãos quiserem exercer o dízimo, mas desde que seja uma prática espontânea e que se compreenda o seu propósito prático: o de não se ofertar menos que dez por cento da sua renda, o que não é nada se comparado com a quantia que ofertavam os primeiros cristãos.[5]

Sendo assim, há tradições que, apesar de aparentemente inofensivas, podem tornar-se maléficas quando compreendidas como algo obrigatório. E esse mal consiste não somente no equívoco de se condenar aqueles que não praticam tais tradições, mas também no medo e na culpa que cristãos desinformados podem sentir quando não as mantém. Por outro lado, e como já vimos em exemplos anteriores, há tradições que nada tem de inofensivas, pois contrariam frontalmente o que Cristo nos ensinou. Tais tradições, uma vez identificadas, deveriam ser completamente extirpadas do meio cristão. Quem se omite a esse respeito não somente contribui para perpetuar uma perniciosa tradição, mas também se torna conivente com ela, tornando-se nada menos que um traidor de Cristo – alguém que lhe dá um carinhoso beijo na face, enquanto despreza seus mais claros ensinamentos de humildade e amor.

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NOTAS
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[1] Não estou sugerindo que Jesus deva ser comparado a Buda, ou a Maomé, mas apenas afirmando que o mesmo fenômeno das tradições ocorre tanto no cristianismo, quanto nas demais religiões. 

[2] Esta referência (Mateus 15:3) encontra-se na Nova Versão Internacional. As referências anteriores estão na versão Almeida Revista e Atualizada e podem ser encontradas em Mateus 23:5,6,11,12; 25:36.

[3] A casa de Deus somos nós.

[4] A ostentação com o local de culto é um pecado grave, pois desvia as ofertas de sua correta destinação, que deveria ser o auxílio às pessoas carentes e a evangelização.

[5] Confira: Atos 2:45 e 4:34,35.

Alan Capriles