02 fevereiro 2015

A CRUZ DO FACEBOOK


Por Alan Capriles

Dentre os mais de um bilhão de usuários do Facebook, certamente já ocorreu a mais alguém a seguinte pergunta:

- Por que a logomarca da maior rede social do mundo é um f minúsculo e não maiúsculo, como seria de se esperar?

Pensar nisso nos conduzirá, inevitavelmente, a uma nova questão:

- O que não há na imagem do F maiúsculo para que o mesmo fosse descartado da logomarca do facebook?

Após refletir um pouco, nada mais encontrei senão isto: a similaridade do f minúsculo com o formato de uma cruz. Ora, no maiúsculo isso não acontece. Não estou sugerindo que o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, seja cristão. Ele mesmo declara ser ateu. Mas, então, por qual motivo um ateu permitiria a ideia da cruz na logomarca de sua empresa? Antes de arriscarmos uma resposta, consideremos que a letra f minúscula, embora lembre o formato de uma cruz, não é uma cruz perfeita, mas encurvada na parte superior. Isso me levou a pensar se existiria algum tipo de cruz com esse formato específico.

Qual não foi minha surpresa ao lembrar-me do falecido papa João Paulo II. Ele costumava carregar um estranho cajado, o qual continha no alto um enorme crucifixo que se entortava na ponta. A preferência desse papa por um crucifixo com esse formato gerou bastante polêmica na época de seu pontificado. E não é pra menos: o crucifixo vergado teria sido uma criação de satanistas no século VI para distorcer a imagem de Cristo e representar a marca da besta em seus rituais.[1]


Mas a logomarca do Facebook tem ainda maior semelhança com outro aparato, também utilizado por adeptos do satanismo. Trata-se da chamada cruz da confusão, ou cruz satânica. Segundo sites que estudam o ocultismo, a parte encurvada representa um ponto de interrogação, cujo propósito seria questionar a eficácia do sacrifício de Jesus na cruz pela salvação da humanidade.[2] 

Essa interrogação aparece na parte de baixo porque no satanismo toda cruz é representada de forma invertida. Mas, ao ser novamente colocada na posição correta, torna-se evidente a semelhança com a logomarca do Facebook.

Até mesmo o tom azulado dessa logomarca não ocorreria por acaso, pois o azul é a cor que se relaciona diretamente com Lúcifer nas práticas ocultistas.[3] Aliás, a cruz satânica ainda representaria os três príncipes infernais: Satanás, Belial e Leviatán. Exatamente por isso quem se utiliza dessa cruz estaria indicando sua completa sujeição a Lúcifer.[4]

Confesso que, ao chegar nesse ponto de minhas pesquisas, meu primeiro impulso foi concluir que tudo isso não passa de uma grande coincidência. A cor azul, por exemplo, predominante no Facebook, não seria por causa de uma consagração dessa rede social a Lúcifer, mas sim porque Mark Zuckerberg possui um tipo raro de daltonismo, que o impede de fazer distinção entre o vermelho e o verde.[5]

Mas o que me manteve intrigado foi descobrir que há indícios de que Zuckerberg seja mesmo praticante de ocultismo. Um dos exemplos mais convincentes ocorreu durante uma entrevista, na qual ele precisou retirar sua jaqueta, pois estava banhado em suor.[6] Sem que ele tivesse tempo de reagir, a repórter tomou de suas mãos a jaqueta, na qual se revelou algo inesperado e muito estranho: escondido na parte interior da mesma havia um enorme desenho circular, com inscrições e uma estrela de seis pontas ao centro com o número 2010. Impossível ver essa imagem e não pensar em algo como magia negra, ou satanismo - especialmente se considerarmos que 2010 foi considerado o melhor ano para o Facebook e também para seu criador, que foi eleito a personalidade do ano pela revista Time. [7]

Ainda reluto contra essa ideia, pois me parece absurdamente fantasiosa. Senão, vejamos: a logomarca do Facebook seria propositalmente um f minúsculo para que se pareça com uma cruz satânica, chamada de cruz da confusão; essa cruz, por sua vez, representa uma ligação com Lúcifer, cuja cor é o azul; não por acaso, o azul é a cor predominante do Facebook, a qual ninguém pode alterar (diferentemente do extinto Orkut); tudo isso seria um indício do pacto que Zuckerberg teria feito com Lúcifer para obter sucesso a nível mundial; o estranho desenho na jaqueta do criador do Facebook confirmaria sua prática ocultista; no centro da imagem, 2010, considerado como o melhor ano do Facebook

Acho que fui mesmo longe demais... Eu mesmo não consigo acreditar em nada disso! Por outro lado, durante minhas pesquisas me deparei com duas coincidências que não consigo desconsiderar:

A primeira delas é o improvável (mas talvez não impossível) propósito que haveria no Facebook de se gerar confusão entre os homens. De fato, essa rede social tem trazido perturbação na vida de milhares de pessoas. Se por um lado o Facebook “aproxima” quem está longe, por outro afasta quem está perto. Tenho certeza que a maioria dos leitores conhece pelo menos um caso de briga conjugal, ou mesmo de adultério, no qual o Facebook faça parte da história. Sem se falar no vício que essa rede social tem gerado na vida de pessoas que já não conseguem mais viver em sociedade, nem mesmo com familiares que vivem sob o mesmo teto. Alguém dirá que tais pessoas fazem mau uso do Facebook. Mas, pergunto eu, como seria o bom uso? A invenção do botão “curtir”, por exemplo, tem gerado mais discórdias do que amizades. E a necessidade inconsciente de se curtir tudo que seus “amigos” publicam tem tomado cada vez mais o precioso tempo dos usuários. Sem se falar nos comentários, que geralmente são mal interpretados (pois também são mal escritos) e acabam gerando confusão nos relacionamentos onde antes havia paz.  Como se não bastasse, muitos parecem ficar paranoicos na rede, compartilhando tudo que lhes está ocorrendo, chegando ao absurdo de publicar até mesmo a foto do que estão para comer! Esses, que já não conseguem viver desconectados, talvez não percebam que tal conexão é que lhes tem roubado a verdadeira vida.[8]

A segunda e última coincidência seria o suposto propósito de se questionar a eficácia do sacrifício de Jesus pela salvação da humanidade. De fato, poucas coisas são tão deprimentes para um pastor (como é o meu caso) quanto se examinar no Facebook a linha do tempo de certas pessoas que se dizem cristãs. Impossível não me questionar se foi para isso que Jesus morreu na cruz, ou seja, para gerar esse tipo de discípulos, que vivem completamente distraídos de sua missão. Se o Facebook é mesmo um terreno maligno, deveríamos entrar nele como sabotadores do seu propósito de aprisionar as pessoas – e não como seus usuários mundanos, que compartilham das mesmas porcarias que a maioria tem curtido.

Será que estou sugerindo que o diabo esteja por detrás disso? E não somente disso, mas também de outras redes similares, tais como Twitter e WhatsApp, que igualmente tem aprisionado milhões de almas no vício da internet? Bem, seja você crente, satanista, ou mesmo ateu (como se diz o criador do Facebook), de uma coisa podemos ter certeza, e nisso eu acho que todos nós estamos de acordo:

Deus não tem mesmo nada a ver com isso.

Alan Capriles

Notas

[1] "Vejamos o que diz o autor católico Piers Compton, em seu livro The Broken Cross: Hidden Hand in the Vatican, Neville Spearman, 1981. Este crucifixo vergado é "... um símbolo sinistro, usado pelos satanistas no século VI, que foi novamente colocado em uso ao tempo do Concílio Vaticano II. Nesse crucifixo vergado, era exibida uma figura repulsiva e distorcida de Cristo, que todos os praticantes de magia negra e feiticeiros da Idade Média usavam para representar o termo bíblico "Marca da Besta". Entretanto, não somente o papa Paulo VI, mas seus sucessores, os dois Joões, João Paulo I e João Paulo II, carregavam esse objeto e o exibiam para ser reverenciado pelas multidões, que não tinham a menor idéia que representa o Anticristo." (pág. 72). Na página 56, Compton mostra uma fotografia do papa João Paulo II, segurando essa cruz vergada, exatamente como mostramos aqui."

[2] "O ponto de interrogação, logicamente, questiona a divindade de Cristo e a validade do Seu sacrifício na cruz do Calvário. É usada pela Nova Era e pelo Satanismo."

[3] "A cor de Lúcifer é azul, azul-elétrico. A maioria dos demônios também tem a aura azul. Aqueles de nós que viu o Inferno concorda que ele tinha uma aura azul. USE AZUL."
http://alegriadesatan.weebly.com/ritual.html

[4] "En el marco del ocultismo representa a tres príncipes infernales: Satanás, Belial y Leviatán. Connota una completa sujeción a Lucifer, y era antiguamente usado por los romanos."

[5] "Segundo Zuckerberg, azul é a cor dominante do Facebook porque é a cor que ele mais enxerga. “Azul é a cor mais rica para mim – eu posso ver todo o azul”, disse."

[6] Vídeo com a entrevista:
http://youtu.be/G4XGbZ7IrC8


[8] Dica de leitura: VERTIGEM DIGITAL - Porque as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando. Andrew Keen - Editora Zahar.
http://www.zahar.com.br/sites/default/files/arquivos/r1331.pdf

13 novembro 2014

FATOS OU BOATOS?

Dez dicas para uma boa investigação 



Por Alan Capriles

Há um velho ditado popular que diz que "papel aceita tudo".  Obviamente, esse ditado é um alerta para quem se precipita em dar crédito a tudo quanto está escrito em jornais, livros, revistas, cartazes, etc. Papel aceita tudo, logo, papel aceita verdades, mentiras, história, ficção, fatos e boatos. Mas, a despeito disso, muitos acreditam em algo apenas porque estava escrito em algum lugar – é o fascínio da escrita sobre um pedaço de papel. Agora pense naquilo que nos é apresentado através de sites, blogs e redes sociais na internet. Pense naquilo que não está escrito num papel, mas numa tela brilhante e bem mais atraente aos nossos olhos, tornando o fascínio ainda muito maior. Ora, sei que pareço ridículo ao dizer algo tão evidente, mas, assim como acontece com o papel, a tela também aceita tudo.

Mas esse lembrete não é desnecessário. Tenho ficado estarrecido com certos textos e vídeos nos quais pessoas leigas (e aparentemente bem intencionadas) dizem absurdos sobre todo tipo de assunto, sem qualquer fundamentação sólida, mas como se fossem experts no tema tratado. O que mais me espanta é que sempre há simpatizantes motivados, que curtem sem pesquisar e ainda compartilham a desinformação! Não sabem discernir o certo do duvidoso e se apressam em acreditar cegamente em qualquer besteira, tornando-se coniventes com a corrente da mentira e, às vezes, do ódio – mas com a melhor das intenções.

Mediante essa crescente boataria que se espalha na internet e que caracteriza toda rede social, nossa constante disposição mental deveria ser o mais prudente ceticismo. Duvidar sempre, ao invés de se apressar em crer ou descrer. Não há outra forma de nos protegermos. Muita coisa que está sendo divulgada não passa de sensacionalismo e manipulação. Há interesses por detrás disso e a única forma de você comprovar o que estou dizendo é através da sua própria investigação. O problema é que muitos têm preguiça de fazê-lo e outros não sabem como realizar uma boa pesquisa. Sendo assim, deixo aqui (apenas para você, que não tem preguiça mental) algumas dicas que utilizo quando corro atrás de um fato, a fim de não ser vítima de um boato:

1º) Seja prudente e não se apresse em crer ou descrer de qualquer notícia, apenas procure ser imparcial. Os fatos que você pesquisar é que lhe farão concluir uma coisa ou outra.

2º) Averigue se o que está sendo dito tem respaldo, ou seja, se o indivíduo que gravou um vídeo, ou escreveu um texto, apresenta provas contundentes do que está sendo afirmado, ou se é somente blá, blá, blá...

3º) Se o indivíduo não apresentou provas, procure por elas. Se apresentou, confira se as fontes são mesmo confiáveis. Não seja preguiçoso, confira tudo!

4º) Se você mesmo tiver que ir atrás das provas, comece pelos mecanismos de busca da internet (Google, Yahoo, Bing) e compare os resultados que surgirem. Isso levará tempo, mas na medida em que você for pesquisando, tanto mais isso irá motivá-lo a prosseguir.

5º) Confira a data de seus resultados e analise-os em ordem cronológica. Muita coisa que hoje é divulgada como se fosse atual, tem às vezes quatro anos ou mais de existência. São assuntos que já foram solucionados, às vezes até desmascarados, mas que ressuscitam graças às redes sociais e à desinformação da maioria, que os compartilha sem qualquer pudor.

6º) Muito cuidado com informações contidas em blogs ou sites de caráter ideológico. Geralmente eles divulgam textos ou vídeos de cunho sensacionalista, que não contém respaldo algum do que está sendo dito.

7º) Prefira recolher informações contidas em sites de notícias que tenham maior credibilidade e depois cruze esses dados, sempre lembrando de conferir as datas. Se houver divergência, continue investigando até chegar a uma inevitável conclusão.

8º) Seja honesto em sua pesquisa e não permita que seus preconceitos ideológicos interfiram no seu resultado.

9º) Divulgue o que você descobriu, mas sempre apresentando provas que contenham dados irrefutáveis. Coloque todos os links no seu texto, ou vídeo, a fim de que seus contatos possam confirmar a veracidade dos fatos.

10º) Tenha bom humor e leve na esportiva os ataques que receberá em troca. Ignore comentários que não contenham uma verdadeira contraprova. Muita gente fica chateada por ter acreditado num boato e, ao invés de lhe agradecer a informação, irá lhe ofender com ataques pessoais. Aproveite para treinar sua paciência, tolerância e respeito para com o próximo.

Encerro aqui minhas dicas para uma boa investigação. Espero que lhe seja útil e que, assim como eu, você também seja mais cuidadoso na divulgação de informações e notícias. Talvez possamos contribuir para que haja um pouco mais de bom senso na internet. Não que eu tenha muitas expectativas nesse sentido. No final de contas, cada um é livre para acreditar no que quiser. Uns acreditam em fatos, outros, em boatos. E, só pra constar, a escolha também é sua.

Alan Capriles

12 setembro 2014

APASCENTANDO OVELHAS OU ENTRETENDO BODES?

Por Charles Haddon Spurgeon

Algo mal acontece no declarado arraial do Senhor, tão grosseiro em seu descaramento, que até os cegos espirituais dificilmente deixarão de perceber. Este mal tem se desenvolvido em proporções anormais durante os últimos anos e vem agindo como o fermento, até que toda a massa fique levedada. Raramente o diabo fez algo tão engenhoso quanto sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo.

Da pregação ousada, como faziam os Puritanos, a igreja foi baixando o tom de seu testemunho; depois, tolerou e justificou as frivolidades de sua época, para, em seguida, começar a aceitá-las em suas fronteiras; agora, a igreja as adotou sob o pretexto de ganhar as multidões.

Meu primeiro argumento é este: as Escrituras não afirmam, em parte alguma, que prover entretenimento para as pessoas é uma função da igreja. Se esta é uma obra cristã, por que o Senhor Jesus não falou sobre ela?

"Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura." (Mc 16:15) Isto está bastante claro. Se Cristo tivesse acrescentado: "E oferecei entretenimento para aqueles que não gostam do evangelho", assim teria acontecido. No entanto, não se encontram tais palavras. Nem sequer lhe ocorreram.

E mais: "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres" (Ef 4:11). Onde aparecem nesse versículo os que providenciariam entretenimento? O Espírito Santo silenciou a respeito deles. Os profetas foram perseguidos porque divertiam as pessoas ou porque recusavam-se a fazê-lo? Os concertos de música não têm um rol de mártires.

Em segundo lugar, prover distração está em direto antagonismo ao ensino e à vida de Cristo e de seus apóstolos. Qual era a atitude da igreja em relação ao mundo? "Vós sois o sal da terra", algo que o mundo desprezará, não o "docinho". Pungente e curta foi a afirmação de nosso Senhor: "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos". Ele estava falando com terrível seriedade!

Se Cristo tivesse introduzido mais brilho e elementos agradáveis em seu ministério ele teria sido mais popular, ao invés de as pessoas O deixarem por causa da natureza inquiridora do seu ensino. Porém, não O vejo dizendo: "Pedro, corra atrás do povo e diga-lhe que teremos um culto diferente amanhã, algo atraente e breve, com pouca pregação. Teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que com certeza gostarão desse tipo de culto. Vá logo, Pedro, temos de ganhar as pessoas a qualquer custo!"

Jesus teve compaixão dos pecadores, lamentou e chorou por eles, mas nunca procurou entretê-los.

Pesquisaremos em vão as cartas do Novo Testamento a fim de encontrar qualquer indício deste evangelho de entretenimento. A mensagem das cartas é: "Retirai-vos, separai-vos e mantenham-se afastados!" É evidente a ausência de qualquer coisa que tenha aparência de brincadeira. Os apóstolos tinham confiança irrestrita no evangelho e não utilizavam qualquer outra arma.

Depois que Pedro e João foram encarcerados por pregarem o evangelho, a igreja se reuniu para orar, mas não suplicaram: "Senhor, concede aos teus servos que, por meio do prudente e discriminado uso da inocente recreação, mostremos a essas pessoas quão felizes nós somos." Eles não pararam de pregar a Cristo, por isso não tinham tempo para arranjar entretenimento para seus ouvintes. Espalhados por causa da perseguição, foram por todo lugar lugar pregando o evangelho. Eles "transtornaram o mundo." (Atos 17:6) Essa é a única diferença! Senhor, limpe a igreja de todo o lixo e futilidade que o diabo impôs sobre ela e traga-nos de volta ao método dos apóstolos.

Por último, a missão de prover entretenimento falha em alcançar os fins desejados. Ela causa danos entre os novos convertidos. Permita que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o alcoólatra para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! Ninguém irá responder! A razão é óbvia: a missão de prover entretenimento não produz convertidos verdadeiros.

A necessidade imediata para o atual ministro do evangelho é uma instrução bíblica fiel, bem como ardente espiritualidade; uma é resultado da outra, assim como o fruto procede da raiz. A necessidade de nossa época é a doutrina bíblica, de tal forma entendida e experimenta, que ponha os homens em chamas.

Charles Haddon Spurgeon
Pastor britânico (1834-1892)
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Leia também: As 12 razões para eliminar o entretenimento em sua igreja

Vídeos recomendados sobre Charles Haddon Spurgeon:
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07 agosto 2014

VOCÊ CONHECE A DEUS?

MEU COMENTÁRIO SOBRE UM VÍDEO ATEÍSTA



Por Alan Capriles

O vídeo em questão apenas reforça o que tenho afirmado: são as religiões que fomentam o ateísmo. Longe de ser uma prova da inexistência de Deus, o vídeo faz uma inteligente crítica às religiões criadas pelo homem - o que também inclui o cristianismo. Aliás, por falar em Cristo, vale ressaltar que, segundo os evangelhos, Jesus nunca orientou seus discípulos a tornarem-se católicos, protestantes, mórmons, adventistas, ou qualquer outro segmento que se diga cristão. De fato, Jesus nem parecia querer que seus seguidores se identificassem por um rótulo, como o de cristãos! [1] Uma análise mais profunda dos evangelhos ainda revela que Cristo não buscava iniciar uma nova religião, mas despertar as pessoas para o fato de que somos todos irmãos, filhos de um só Deus, cuja essência é o amor - sendo esse amor o caminho de retorno para o próprio Deus. [2]

O ensinamento de Cristo para toda a humanidade resume-se nisso: "Faça ao teu próximo o que você gostaria que ele fizesse a você." Em termos práticos: arrependa-se de toda prática do mal, perdoe o seu próximo e passe a lhe fazer o bem - isso é andar em amor e isso é ser salvo! Como concluiu Tiago em sua epístola: "a misericórdia triunfa sobre o juízo". [3]

Uma mensagem tão simples como essa, que Jesus pregava e vivia, certamente incomodava os religiosos de sua época, que complicavam o caminho da salvação com dogmas que nem eles mesmos conseguiam compreender e seguir. Seria cômico, se não fosse trágico, que o mesmo ainda ocorra hoje com aqueles que se dizem cristãos - os quais continuam complicando tudo e não aceitam a simples mensagem de que no amor há salvação, pois Deus é amor. Caso Jesus aparecesse novamente hoje, apregoando essa mesma mensagem, estou convencido de que muitos cristãos o expulsariam de seus templos, chamando-o de louco, condenando-o como herege - ou até mesmo rotulando-o como... ateu. [4]
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NOTAS
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[1] O termo cristão começou a ser usado de forma pejorativa, para ridicularizar os primeiros seguidores de Cristo. No entanto, por orientação dos apóstolos, isso tornou-se uma honra para os discípulos (1Pe 4:16) os quais,  nas gerações seguintes, vieram a criar os dogmas de uma nova religião: o cristianismo. Mas nada indica que Jesus tenha desejado criar uma nova religião, ou atacar as que já existiam. O relato dos evangelhos revelam que ele se mostrava neutro em relação a esse assunto. E a razão é simples: a evidência da salvação não está naquilo em que acreditamos (cada um acredita numa coisa) mas está naquilo que somos. Aquilo em que acreditamos pode nos influenciar a sermos pessoas melhores, ou piores, mas não são as crenças, em si mesmas, que nos salvam. Aliás, a salvação nem é algo que se dê somente após a morte, mas um estado de espírito que começamos a experimentar aqui e agora. Por isso Jesus dizia que o reino de Deus já havia chegado e que estava entre nós, ou em nós.

[2] Explico melhor isso em minha tese intitulada "A Salvação Segundo Jesus Cristo"

[3] "A misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tiago 2:13) é somente um dos muitos versículos que claramente confirmam que a prática do amor (ágape) como evidência de que alguém está trilhando o caminho da salvação - algo que não deve ser confundido com "salvação pelas obras". Outros dois versículos incontestáveis são estes: "Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados" (Lucas 6:37) e "Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele." (1João 4:16) A salvação não é apenas um destino onde se chega, mas sobretudo um caminho por onde se vai - e esse caminho é o amor, razão pela qual a misericórdia triunfa sobre o juízo.

[4] Sim, Jesus poderia ser chamado de ateu! Não é por acaso que os primeiros seguidores de Cristo foram acusados de ateísmo. Isso não se devia somente ao fato de que esses discípulos não adorassem imagens, pois os judeus também não as adoravam e, no entanto, não eram assim perseguidos. Os primeiros discípulos eram acusados de ateísmo porque, de fato, eles não defendiam nenhuma religião! Suas reuniões eram somente uma celebração da vida, onde eles se edificavam uns aos outros trocando suas experiências, relembrando o que Cristo os ensinou e onde comiam e bebiam em sua memória - adorando, não ao Nazareno, mas ao Logos que nele se manifestara. Eles não tinham templos, nem rituais, nem dogmas, mas apenas os ensinamentos de Cristo, que os faziam viver em simplicidade e amor. E, justamente por viverem em amor, eles também não condenavam  aqueles que frequentavam templos, ou seguiam rituais, ou dogmas, mas os orientavam a que se arrependessem do mal e se perdoassem mutuamente. Por isso, contavam com a simpatia do povo, que a cada dia convertia-se a essa forma de viver, abandonando seus falsos deuses e suas crenças vãs. (Atos 2:47)

Alan Capriles

28 julho 2014

TRADIÇÃO OU TRAIÇÃO?

Por Alan Capriles

Boa parte daquilo que ocorre no meio religioso pode ser chamado de tradição, ou seja, são práticas perpetuadas por gerações, mas que não possuem real valor para a fé que se diz professar. Em outras palavras, poderíamos viver muito bem sem elas – e, em alguns casos, muito melhor sem elas. No entanto, nem toda tradição é necessariamente negativa. Havendo coerência em tais práticas não há problema algum em mantê-las, especialmente quando servem para auxiliar em nosso desenvolvimento espiritual. O problema está nas tradições que contradizem ensinamentos essenciais da fé que se diz professar. Mais grave ainda é quando crentes decidem ignorar tais ensinamentos por causa de uma tradição. Nesse caso, uma tradição acaba se tornando não somente um empecilho, mas uma traição direta a essa mesma fé.

Encontramos no cristianismo diversos exemplos de tradições que contrariam o que Cristo ensinou. Estou certo de que no budismo também ocorra o mesmo em relação ao Buda, assim como no islamismo, em relação a Maomé.[1] Mas, como pastor, prefiro me ater ao cristianismo, especialmente em sua vertente evangélica – meio religioso que conheço muito bem, a ponto de sentir-me a vontade para questioná-lo. Certamente não conseguirei abordar todas as tradições evangélicas que se constituem numa traição a Cristo, pois temo que sejam muitas! No entanto, espero dar um ponto de partida, a fim de que o leitor faça suas próprias reflexões, descobertas e, se houver coragem, as devidas mudanças.

De fato, é preciso ter o mínimo de coragem para se questionar uma tradição. Recentemente, por exemplo, pensei que fossem me agredir apenas porque apontei, calma e educadamente, uma tradição cristã que se opõe ao que Cristo ensinou. Meu questionamento havia sido em relação às poltronas (geralmente luxuosas) que ficam sobre os altares de algumas igrejas e que dão proeminência para os pastores – uma tradição mantida pela maioria das igrejas evangélicas. Ora, por mais que isso pareça normal, não podemos negar que Cristo foi bastante claro em repudiar aqueles que fazem “as suas obras com o fim de serem vistos pelos homens” e que amam “as primeiras cadeiras” nos locais de culto. E ainda que o Senhor não tivesse sido tão direto, a simples lembrança de que “quem a si mesmo se exaltar será humilhado” deveria ser o bastante para que evitássemos qualquer autopromoção. Mas, lamentavelmente, esse é um cuidado que poucos crentes levam a sério.

E que tal isso: Jesus também ordenou que “o maior dentre vós será vosso servo”, todavia, na maioria das igrejas evangélicas o pastor é servido pelos demais irmãos – algo que é visto com a maior naturalidade. Não seria essa postura mais uma traição a Cristo que se passa por uma tradição cristã? Prova disso é que, como ocorre em toda tradição, fugir a essa regra não somente pode causar estranheza, mas também incômodo. Certa vez um pastor idoso que visitava nossa igreja não conseguiu se conter e repreendeu-me ao perceber que eu ajudava na preparação do culto. Segundo ele, que se julgava bastante experiente no ministério pastoral, deveria eu ficar sentado e não fazer coisa alguma, sugerindo que nós, pastores, seríamos diferentes dos demais irmãos. Prontamente o indaguei: “Mas não foi o próprio Senhor Jesus que disse ter vindo para servir e não para ser servido?” Como eu já imaginava, aquele pastor mudou de assunto e não me deu resposta. Mas, isso não importa – todos nós sabemos que não somos melhores do que Jesus. Da mesma forma, nossas tradições também não estão acima do que Cristo nos ensinou; mas, a despeito disso, milhares de igrejas as mantêm – na maioria das vezes, numa descarada traição ao Senhor.

Outro exemplo desse tipo de traição (alguém poderá rir) é a chamada cantina. Não tenho dúvidas de que esse comércio se tornou uma tradição, pois a cantina está presente em praticamente todas as igrejas evangélicas, funcionando logo após, ou mesmo durante a realização dos cultos. Reconheço que a prática dos cristãos comerem juntos é antiquíssima, remontando ao período apostólico, no qual esses encontros foram apelidados de ágapes. Ora, não há nada de errado nisso. Quando comemos juntos estamos fortalecendo a comunhão e promovendo o amor ao próximo, razão pela qual o termo ágape servia muito bem para tais ocasiões, nas quais o alimento era compartilhado. O problema é que hoje raramente se encontra uma igreja caracterizada pelo amor, ao menos não nesse sentido, pois tudo que se quiser comer ou beber será vendido na cantina – e não doado, como deveria ser. Quem tiver dinheiro, compra; quem não tiver, vai embora com fome. Ou então terá que passar pelo constrangimento de pedir, como já foi sugerido por certo pastor, que sempre anunciava no final de cada culto: “Temos cantina, mas se você não tem como pagar, venha falar comigo.” Até hoje não sei se o pastor pagava por esse lanche, ou se apenas emprestava o dinheiro. Seja como for, por que fazer alguém passar pelo constrangimento de dizer que está duro? Não seria muito melhor acabar com esse comércio e dar de graça o lanche para os irmãos?

Poucos percebem que a cantina, ou lanchonete, não é somente uma tradição nas igrejas, mas também uma traição a Cristo, que nos ensinou justamente o contrário dessa prática. Ou alguém se esqueceu de que foi o próprio Jesus quem expulsou os vendilhões do templo? O recado por trás disso é bastante claro, não fosse ele distorcido por pregadores que tratam de espiritualizar essa passagem bíblica, ao se alegar que o Senhor estaria somente ilustrando a purificação do nosso corpo, o templo do Espírito Santo. E assim, com essa manobra teológica, a cantina tem permanecido, fazendo com que a chamada “casa de Deus” continue sendo lugar de comércio e não da prática de amor ao próximo.

O mesmo aplica-se ao chamado bazar beneficente. Irmãos trazem roupas usadas que depois serão vendidas para a comunidade, geralmente na porta da igreja. Ainda que sejam repassadas por um preço acessível, não seria mais correto que essas roupas fossem doadas? De acordo com o que Jesus nos alertou, devemos proceder de tal forma que, no dia do juízo, o Senhor nos declare: “estava nu e me vestistes”. Ora, isso é muito diferente de “estava nu e me vendestes uma peça de roupa, bem baratinho.” Aliás, nem costuma ser mais tão baratinho assim...

Se você é um cristão evangélico sincero, certamente decidirá romper com essas tradições, mas devo alertá-lo: não espere que sua postura seja aplaudida pelos demais membros de sua igreja. Basta lembrarmos que o próprio Jesus também sofreu com isso, sendo acusado pelos religiosos de estar desprezando a tradição dos anciãos. Sua resposta foi um questionamento que continua válido para os religiosos de nossos dias: “E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês?”[2]

Ora, dois mil anos se passaram, mas, como já foi demonstrado, continuam existindo tradições que se opõem à vontade de Deus. O apego a essas tradições é algo extremamente danoso, pois significa preferir o que aparentemente “dá certo” em lugar do que realmente “é certo”. Parece não haver nada de errado nas poltronas sobre o altar, pois elas têm a finalidade prática de facilitar que os pastores supervisionem o culto; mas aqueles que nelas se assentam poderão sentir-se orgulhosos e soberbos – especialmente se essas poltronas forem mais luxuosas que o assento dos demais irmãos – o que não é correto. A cantina pode até facilitar a vida de alguns membros da igreja, os quais não precisarão procurar uma lanchonete após o culto, mas também poderá gerar constrangimento nos irmãos mais pobres, que não terão dinheiro para comprar um lanche. Nesses dois casos, assim como nos exemplos anteriores, não vale à pena insistir na tradição, mas abandoná-la de uma vez por todas! Da mesma forma, deveríamos rejeitar a obrigatoriedade do uso de gravata e paletó para se pregar, algo que se torna sacrificante num país tropical como o Brasil, especialmente no verão. 

Por outro lado, há tradições cristãs que são inofensivas, tais como a bênção apostólica proferida no final de cada culto, ou o cumprimento dos pastores junto à porta de saída do templo, ou ainda a apresentação de crianças recém-nascidas à igreja. Outras, por conseguinte, somente serão tradições inofensivas quando houver a compreensão de que se tratam exclusivamente de tradições e não de mandamentos essenciais à fé. 

Como exemplos de tradições que costumam ser confundidas com ordenanças, podemos citar a prática do dízimo e a edificação de templos. Ainda que não seja errado fazer uma coisa ou outra, torna-se errado quando alguém as confunde com obrigatoriedade, condenando quem decida ofertar livremente, ou quem preferira congregar nos lares, ao invés de filiar-se a denominações cristãs. É importante lembrarmos que a entrega de dízimos, assim como a edificação de templos, não são mandamentos da parte de Deus (ao menos não na Nova Aliança), mas práticas que podem ou não auxiliar em nosso desenvolvimento espiritual. O dízimo, por exemplo, só será benéfico se for entregue espontaneamente e não sob ameaças de maldição; e o templo, por sua vez, se for visto como um local para reuniões e não como “casa de Deus”.[3] Ainda que haja muito barulho a respeito desses temas, o fato é que estamos falando de tradições – tradições sem as quais a igreja de Cristo sobreviveu muito bem nos três primeiros séculos de sua história. Os primeiros cristãos compreendiam que a prática do dízimo judaico caiu juntamente com os muros do templo de Herodes, ao qual ele se destinava. Compreendiam também que a igreja somos nós e não uma construção de pedra, razão pela qual se reuniam nos lares. Por conseguinte, não há nada de errado se, por necessidade de um espaço maior, cristãos decidirem alugar, comprar ou construir uma edificação – contanto que os gastos com esse local não ultrapassem o básico necessário.[4] Também não há nada de errado se cristãos quiserem exercer o dízimo, mas desde que seja uma prática espontânea e que se compreenda o seu propósito prático: o de não se ofertar menos que dez por cento da sua renda, o que não é nada se comparado com a quantia que ofertavam os primeiros cristãos.[5]

Sendo assim, há tradições que, apesar de aparentemente inofensivas, podem tornar-se maléficas quando compreendidas como algo obrigatório. E esse mal consiste não somente no equívoco de se condenar aqueles que não praticam tais tradições, mas também no medo e na culpa que cristãos desinformados podem sentir quando não as mantém. Por outro lado, e como já vimos em exemplos anteriores, há tradições que nada tem de inofensivas, pois contrariam frontalmente o que Cristo nos ensinou. Tais tradições, uma vez identificadas, deveriam ser completamente extirpadas do meio cristão. Quem se omite a esse respeito não somente contribui para perpetuar uma perniciosa tradição, mas também se torna conivente com ela, tornando-se nada menos que um traidor de Cristo – alguém que lhe dá um carinhoso beijo na face, enquanto despreza seus mais claros ensinamentos de humildade e amor.

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NOTAS
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[1] Não estou sugerindo que Jesus deva ser comparado a Buda, ou a Maomé, mas apenas afirmando que o mesmo fenômeno das tradições ocorre tanto no cristianismo, quanto nas demais religiões. 

[2] Esta referência (Mateus 15:3) encontra-se na Nova Versão Internacional. As referências anteriores estão na versão Almeida Revista e Atualizada e podem ser encontradas em Mateus 23:5,6,11,12; 25:36.

[3] A casa de Deus somos nós.

[4] A ostentação com o local de culto é um pecado grave, pois desvia as ofertas de sua correta destinação, que deveria ser o auxílio às pessoas carentes e a evangelização.

[5] Confira: Atos 2:45 e 4:34,35.

Alan Capriles

24 abril 2014

NÃO É BEM ASSIM

O espantoso desprezo dos cristãos aos ensinamentos de Cristo

 

Por Alan Capriles

Quanto mais reflito no evangelho de Cristo, menos identifico-me com as religiões que se dizem cristãs. O problema nem está no fato de que cada denominação tenha uma confissão de fé diferente da outra, pois compreendo que há diferentes interpretações acerca de assuntos teológicos. Mas o que realmente me incomoda é o desprezo que todas parecem dar aos ensinamentos mais claros e diretos deixados por aquele a quem chamam de Senhor. É bem verdade que o nome mais repetido nos cultos é o nome de Cristo. Mas uma coisa é dizer “glória a Jesus!” ou “em nome de Jesus!” e outra, muito mais relevante, é conhecer a esse Jesus – especialmente conhecer o que ele nos ensinou, tanto por palavras quanto por ações.

Temos a tendência de ignorarmos aquilo que não compreendemos e a maneira mais sutil de fazermos isso é desviando nossa atenção para algo que pareça louvável. Propositalmente ou não, o fato é que a própria Bíblia tem sido usada para nos distrair, desviando nossa atenção acerca daquilo que Jesus nos ordenou fazer. Culto após culto, ensina-se a ser próspero como Salomão, vitorioso como Davi, destemido como Josué, mas despreza-se os ensinamentos de Jesus, o qual deveria ser a figura central das Escrituras – mas que, na prática, não tem sido. Ao menos, não na maioria das igrejas que se dizem cristãs.

Ora, a missão da igreja não é somente batizar, mas principalmente transmitir os ensinamentos de Cristo, pois somente assim nos tornamos seus discípulos. Mas o bloqueio mental é tão grande, que até mesmo quando se prega sobre a grande comissão, a referida ordem costuma ser dita pela metade: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo...” Ah, e o restante do texto? Não deve ser tão importante, não é mesmo? Quase ninguém se lembra dele, que diz expressamente:

“... ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado.” (Mateus 28:20)

E não venham me dizer que a Escola Bíblica Dominical cumpre esse papel, porque, via de regra, não cumpre! A começar pelas crianças, geralmente ensina-se na EBD sobre as histórias de Adão, Abel, Noé, Moisés, Jonas, entre outras narrativas bíblicas; para os jovens ensina-se sobre louvor, namoro, drogas e demais assuntos dessa faixa etária; e para os jovens e adultos ensina-se sobre pecado original, trindade, batalha espiritual, vitória financeira, eclesiologia, ou qualquer outro assunto teológico. Não estou desmerecendo o estudo desses temas, mas apenas ressaltando que priorizamos o ensino daquilo que não é a missão da igreja. O que Jesus realmente nos ordenou cumprir, isso raramente é ensinado, seja nos cultos, seja nas classes de escola bíblica. A única explicação que encontro para tamanho absurdo é a desconcertante simplicidade e incômoda dificuldade que os ensinamentos de Cristo apresentam, como veremos a seguir.

A começar pela dificuldade, usarei como exemplo um versículo no qual encontramos uma importante advertência do Senhor:

“Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo.” (Mateus 5:22)

Não é por acaso que os colchetes aparecem no versículo acima. As palavras “sem motivo” foram acrescentadas, séculos atrás, por algum copista que provavelmente achou Jesus radical demais e tentou dar uma aliviada no seu ensinamento. Como se sabe, os manuscritos bíblicos eram copiados à mão (por isso são chamados de manuscritos!) e, nesse processo, erros poderiam ocorrer. Nesse caso, não foi um erro, mas um acréscimo deliberado. Não é difícil imaginar que esse copista irava-se facilmente e, como não gostava da ideia de que o vissem como candidato ao fogo do inferno, decidiu então alterar o texto. Ora, é muito mais fácil mudar o texto do que mudar de postura. E foi o que ele fez, dando margem para que todas as cópias desse manuscrito perpetuassem o erro. Para nossa sorte, manuscritos mais antigos, que antecederam essa adulteração, foram descobertos e revelaram a ausência de frases que agora, nas versões modernas, aparecem entre colchetes, como na edição Almeida Revista e Atualizada.[1] Ora, se os melhores manuscritos do evangelho de Mateus não trazem as palavras “sem motivo”, ocorre que ficamos sem desculpas para ficarmos irados, ou xingarmos alguém – prática muito comum entre crentes na internet, diga-se de passagem.

Usei o versículo acima para tratar da dificuldade que alguns ensinamentos de Cristo apresentam, porque é um exemplo com evidências internas, onde o próprio texto revela que alguém tentou alterá-lo – alguém que pensava da seguinte maneira: “Jesus nos ensinou a não nos irarmos, mas não é bem assim... Você pode irar-se, desde que seja por um bom motivo.” Bem, esse tipo de adulteração continua sendo tão comum hoje quanto foi nos primeiros séculos depois de Cristo. Recentemente, por exemplo, houve uma polêmica quanto ao mandamento de “dar a outra face”, protagonizada por um famoso cantor gospel, o qual declarou orientar seu filho exatamente de forma contrária da que Jesus nos ensinou. Ele se diz cristão, mas, quanto a esse ensinamento de Cristo, não é bem assim...[2]

Como se vê, quando alguma orientação de Jesus parece difícil demais para ser seguida, logo se encontra uma interpretação que difere daquilo que tão claramente está sendo dito. Outro exemplo é o enfático “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra” (Mt 6:19). O que poderia ser mais claro e óbvio nesse versículo do que o fato de que o Senhor está nos proibindo de enriquecermos? Mas, a despeito disso, ensina-se nas igrejas que a vontade de Deus é que sejamos ricos, não de misericórdia e compaixão, mas de dinheiro mesmo – e muito dinheiro! Versículos tais como “contentai-vos com o que tendes” ou “ai dos que querem ser ricos” são reinterpretados por adeptos da famigerada teologia da prosperidade: “Sim, é verdade que está escrito isso, mas não é bem assim...”[3]

Ensinamentos de Cristo são reinterpretados não somente por sua incômoda dificuldade, mas também pela desconcertante simplicidade. Por exemplo, Jesus me parece bastante claro e direto com as seguintes afirmativas:

“Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará”
(Mateus 6:14)

“Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados” (Lucas 6:37)

Está evidente que o Senhor está falando a respeito de um caminho (proceder) que conduz à salvação, ou ainda, que é o próprio caminho da salvação. E que ninguém pense que é um caminho fácil! Tendo isso em mente, propus a seguinte questão aos jovens alunos de minha classe de escola bíblica: “Então, segundo Jesus, qualquer um que praticar a tolerância e o perdão ao próximo receberá o perdão de Deus e, consequentemente a vida eterna?” Houve um breve momento de silêncio, quebrado por uma visitante, que congrega numa igreja tradicional: “Não! É preciso primeiro aceitar Jesus como Senhor e Salvador.”

Ora, mas Jesus não disse isso! Não dessa forma banal como costuma interpretar-se, na qual se divorcia Jesus dos seus ensinamentos.[4] O que essa jovem respondeu foi inculcado em sua mente por nossa teologia protestante, mas não pelo Senhor. O mais incrível é que nem mesmo o fato de haver uma abundância de outros versículos que confirmem a simplicidade da salvação (o que não deve ser confundido com facilidade, pois o caminho do amor é apertado) nem mesmo assim os cristãos aceitam essa verdade:

“Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus.” (Lucas 6:35)

“Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. [... Pois] sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” (Mateus 25:34,40)

“Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo.” (Tiago 2:13)

“Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele.”
(1 João 4:16)

E por que não aceitam essa verdade? Talvez porque a verdade não seja tão atraente quanto um complexo sistema de regras religiosas, ou tão fácil quanto crer que a salvação dependa de uma certa crença, ou de uma determinada confissão.[5] Já escrevi uma tese (prefiro chamar de tese, para diminuir a polêmica) explicando que aceitar a objetividade de versículos como esses não significa atribuir salvação pelas obras.[6] Uma coisa não tem nada a ver com a outra, e a dificuldade em se compreender isso decorre, em parte, da confusão que se faz entre fé e crença – algo acerca do que também já escrevi.[7]

O fato é que a doutrinação religiosa pela qual passamos nos faz acrescentar nossas crenças a quase tudo que Cristo ensinou. Veladamente, acrescentamos nossos próprios “colchetes” em versículos que são simples e diretos demais para que os aceitemos. Por exemplo, no último versículo acima, não conseguimos compreender com clareza o que está sendo dito, pois não se encaixa com nossa teologia. O que conseguimos ler é o seguinte:

“Deus é amor, e aquele [cristão evangélico] que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele.” (1 João 4:16)

Entenda-se por cristão evangélico alguém que passou pelo processo de confessar a Cristo como Senhor e Salvador. O mesmo acréscimo, onde colocamos colchetes mentais, se faz com outras passagens das Escrituras, tal como esta:

“Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele [cristão evangélico] que pratica a justiça é nascido dele.” (1 João 2:29)

Ou esta:

“Bem-aventurados os [cristãos evangélicos] misericordiosos, porque [somente os cristãos evangélicos] alcançarão misericórdia.” (Mateus 5:7)

Onde se lê cristão evangélico poderia se ler também católico, ou protestante reformado, ou adventista, ou testemunha de Jeová, ou mórmon, ou qualquer outro rótulo de um sistema religioso que arrogue para si mesmo a exclusividade da salvação. E não me admira que isso aconteça. Nosso cristianismo está soterrado sob séculos de teologia – uma teologia que impede seus adeptos de enxergar a simplicidade do que Cristo nos ensinou. Ora, essa simplicidade trás consigo uma dificuldade prática - mas é exatamente por isso que o Senhor alertou ser apertado o caminho da salvação. Lamentavelmente, a grande maioria dos cristãos prefere ignorar essa dificuldade, sendo seduzidos por uma teologia deformada, que os atrai para uma doutrina que os declare salvos por uma confissão, ou por determinada crença.

Meu propósito, com textos como esse e outros que venho escrevendo, não é que você deixe sua igreja, embora reconheça que, às vezes, isso é mesmo necessário.[8] Mas tenho uma esperança. Minha esperança e propósito é que haja um despertamento espiritual em todos aqueles que se dizem cristãos. Um despertamento que os faça enxergar que o nosso cristianismo tornou-se uma versão moderna do farisaísmo que Jesus combatia.[9] Um despertamento que nos faça realmente voltar ao evangelho, e não aos princípios de uma reforma medieval. Um despertamento que nos leve a uma releitura de tudo o que Cristo nos ensinou e a um exame de nossa conduta. Mais do que isso, um despertamento que nos leve a praticar o que ele ensinou – não para que nos achemos melhores do que os outros, ou para que nos separemos em novas denominações, mas para que sejamos como ele, sendo simplesmente filhos de Deus.[10]

Não é bem assim? ...Ou é?

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NOTAS
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[1] Algumas novas versões já eliminaram por completo as frases que não aparecem nos manuscritos mais antigos, os quais são considerados mais fiéis aos originais pela maioria dos especialistas no assunto.

[2] Gravei um vídeo em relação ao assunto, o qual pode ser conferido clicando-se aqui.

[3] Também já escrevi e preguei acerca da teologia da prosperidade. Clique aqui e confira.

[4] Confira o texto "O que significa aceitar Jesus" e a pregação com o mesmo título.

[5] Confira o texto "Confessa com a tua boca - a estranha doutrina do confessionalismo".

[6] Confira o texto "A salvação segundo Jesus Cristo - e não segundo o cristianismo"

[7] Confira o texto "A crucial diferença entre crer e ter fé", bem como a pregação "Fé ou crença".

[8] Confira "Igrejados, desigrejados e o que realmente importa"

[9] Confira o texto "Discípulos de Cristo ou discípulos de cristianismo?" e a forte pregação com o mesmo título.

[10] Confira "Simplesmente filhos de Deus".

Alan Capriles

29 janeiro 2014

A CRUCIAL DIFERENÇA ENTRE CRER E TER FÉ

Por Alan Capriles

A confusão que se faz entre fé e crença é um equívoco tão antigo, quanto comum e perigoso, mas essa ignorância e risco não ocorrem por acaso. Esse problema começou no século V, quando não houve uma palavra que traduzisse corretamente para o latim o sentido original de fé na língua grega, induzindo milhões de cristãos a confundirem fé com crença. Um equívoco dessa natureza poderia ser facilmente reparado, bastando que os tradutores nos alertassem a respeito disso em notas de rodapé, ou numa breve introdução ao Novo Testamento. Porém não há qualquer menção a esse assunto na maioria das versões da Bíblia em português.[1] Como resultado, temos a incompreensão da profundidade daquilo que o texto bíblico realmente nos diz quando menciona fé, e principalmente quando a menciona em ação, conjugada no limitado verbo crer em português. 

O assunto é mesmo tão antigo e crucial que fico me perguntando se a simples compreensão da diferença entre crer e ter fé não teria evitado o absurdo das Cruzadas e da chamada Santa Inquisição – vergonhosas páginas da história "cristã", onde tanto sangue se derramou em nome de Cristo. Equívocos na interpretação de um texto podem realmente ocasionar consequências catastróficas e é bem possível que tal erro tenha sua parcela de culpa nesses terríveis episódios.

As raízes desse problema remontam ao final do século IV e início do século V, quando um erudito em hebraico e grego chamado Jerônimo, incentivado por Dâmaso I, bispo da igreja em Roma, realizou a tradução dos escritos do Antigo e Novo Testamento para o latim, resultando no que ficou conhecido como Vulgata: a primeira versão da Bíblia para um só idioma. Vulgata significa "comum" em latim, significando que a "versio vulgata" destinava-se a ser uma versão comum, ou seja, acessível a todo o povo, tendo em vista que naquela época o latim já era mais falado que o grego. Foi nessa inédita e ousada tradução da Bíblia que a confusão entre fé e crença teve o seu início. 

Ao deparar-se com o verbo grego pisteuou, que significa ter fé, Jerônimo precisou encontrar um termo latino que o substituísse – uma escolha que certamente não foi fácil.[2] Ocorre que na língua grega – idioma mais rico que o latim – o substantivo (pistis) possui um correlato verbal (pisteuou), ou seja, a fé pode ser conjugada verbalmente, ao contrário do que ocorre no português e demais línguas de origem latina[3]. Ora, não havendo verbo em latim para o termo grego que significava a ação da fé, Jerônimo optou por um verbo latino que substituísse pisteuou e que, a seu ver, se aproximava do que significava ter fé. Sua escolha foi o verbo credere (crer).[4] O problema está em que o verbo crer também é sinônimo de acreditar e foi esse último sentido, o de crença, que prevaleceu com o passar dos séculos. Mas fé, como veremos, é algo mais profundo que meramente acreditar, embora comece com o crer. 

A escolha de Jerônimo pode ter sido a melhor em sua época, mas atualmente (e há mais de mil anos!) tornou-se um problema para o entendimento de diversas passagens neotestamentárias. Existe mais de uma centena de versículos no Novo Testamento onde os leitores facilmente confundirão fé com crença, pois onde agora lemos o verbo “crer” originalmente o autor falava de “fé”, mas num sentido ainda mais profundo que o atual.[5] 

Não obstante, mesmo que Jerônimo tivesse substituído o verbo grego pisteuou por uma equivalência dinâmica[6] - o que resultaria na tradução ter fé - ainda assim precisaríamos compreender o que o termo fé (pistis) e sua ação (pisteuou) significavam naquela época. 

Nos dias atuais a maioria das pessoas define a “fé” como meramente se “acreditar” em alguma coisa. Entretanto, a fé praticada pelos primeiros cristãos tinha um significado muito mais profundo do que apenas concordar que Jesus tenha existido, ou acreditar em seus feitos. Originalmente, “fé” tinha o sentido de confiança, consonância, comprometimento, lealdade, ou fidelidade.[7] Ou seja, ter fé em alguém significava estar em sintonia com essa pessoa. Não se tratava de apenas acreditar em alguma doutrina, mas sim de se estar comprometido com esse ensinamento. Desta forma, para os primeiros cristãos, somente aquele que praticasse o que Cristo ensinou seria visto como alguém que realmente tinha fé em Jesus. 

Mas, como antes já foi dito, esse conceito primordial de fé acabou sendo deturpado no decorrer dos séculos e passou a ser substituído por uma ideia de crença.[8] Segundo esse conceito, já não haveria muita importância em quem você é, mas sim apenas naquilo em que você diz acreditar. Obviamente, isso não ocorreu da noite para o dia, mas em etapas muito sutis, geração após geração. Como exemplo, cito um dos sermões de Lutero, onde ele explica que “a fé não requer informação, conhecimento e certeza, mas uma livre entrega e uma feliz aposta na bondade impercebida, não experimentada e desconhecida [de Deus]”.[9] Isso nos demonstra dois fatos importantes: primeiro, que já no século XVI o conceito de fé precisava ser revisto, pois havia quem pensasse em fé apenas como informação, conhecimento e certeza; e, segundo, que esse conceito já perdera o sentido original de consonância e comprometimento (ou fidelidade), passando a ser visto – ao menos para Lutero – como uma feliz aposta na bondade de Deus. Apesar de ser uma bela definição para fé, a realidade é que, como vimos há pouco, tal ideia não condiz perfeitamente com o conceito de fé que se tinha entre os cristãos do primeiro século, o qual era mais profundo. 

Quando, por exemplo, Jesus ensinou que “tudo é possível ao que crê”, não devemos entender esse crer como meramente acreditar. Uma tradução mais correta seria “tudo é possível ao que tem fé”, ou seja, àquele que está em perfeita sintonia, ou ligação, com Deus — algo que só é possível através de Cristo, único mediador entre Deus e os homens. Feita essa ressalva, torna-se mais fácil compreender o que Jesus quis dizer com “aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará” (João 14:12). Se o termo crer desse versículo fosse meramente acreditar alguém poderia dizer que Jesus houvesse mentido, pois milhares de pessoas realmente acreditam em Jesus, mas nunca fizeram qualquer obra sequer parecida com o que ele realizou. No entanto, se corretamente compreendemos que o Senhor está falando de estarmos em consonância com ele, ou seja, confiando plenamente em sua pessoa e seguindo o seu exemplo, então desaparecem as dúvidas, pois dificilmente encontra-se alguém que realmente ande como Jesus andou, especialmente no que concerne à sua prática de renúncia e constante oração – mas quem o fizer pela motivação correta, receberá do Pai o mesmo poder que nele havia, dando os mesmos frutos e podendo realizar obras ainda maiores. Cristo foi bem claro a respeito da correlação entre se praticar o que ele ensinou, por amor, e se receber o Espírito Santo: "Se alguém me ama guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada." (João 14:23).

Mas o desconhecimento que a maioria das pessoas tem acerca desse problema é tão comum quanto previsível. De fato, nossas versões do Novo Testamento em português dão mesmo a entender que a salvação é apenas uma questão de crença, o que nos induz a concluir que basta acreditar que Jesus existiu, ou que ele morreu na cruz por nossos pecados, para sermos salvos. Mas a salvação não é uma questão de crença e sim de fé. E ter fé em Cristo significa também fidelidade, isto é, estar em consonância com seus ensinamentos – ou, como prefere dizer João (tanto em seu evangelho quanto nas epístolas), ter fé significa permanecer nele. E “nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou.” (I João 2:6) Paulo prefere usar a expressão “estar em Cristo”, o que também traduz o conceito primordial de fé – que significava estar em sintonia com Deus, ou seja, com a sua vontade, que se resume no amor e na santificação. Portanto, a fé salvadora é um caminho no qual devemos andar e não meramente uma crença que precisamos acatar. A crença, na verdade, é apenas o primeiro estágio da fé, a qual prossegue para a plena confiança e culmina no mais sincero comprometimento.  Sendo assim, fé significa não apenas crer, mas também confiar e comprometer-se. 

Quando Cristo afirmou que ele é “o” caminho para o Pai, sua clara intenção foi apontar a si mesmo - tanto pela verdade de seus ensinamentos, quanto pela prática de sua vida - como nosso referencial de salvação. Ele não estava falando de crença, mas de nós andarmos em sintonia com ele, ou seja, confiando em sua pessoa e, sendo assim, praticando o que ele nos ensinou. Não devemos separar a pessoa de Cristo dos seus ensinamentos. Neste sentido é que Jesus é o caminho, a verdade e a vida (João 14:6). Note que esse versículo não fala explicitamente de fé, nem de crer, mas ele sempre é interpretado como se fosse uma questão de crença, ou seja, como se a salvação ocorresse apenas por se acreditar que Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Esse equívoco ocorre porque o atual conceito de fé está de tal forma contaminada pela ideia de crença, que os leitores do Novo Testamento ficam condicionados a interpretá-lo dessa forma incorreta. Cristo não é apenas para ser acreditado, mas vivido!

A solução, obviamente, não é deixar de ler a Bíblia, ou aguardar por uma versão que consiga transmitir o sentido original de todo o texto grego do Novo Testamento. Minha sugestão é que façamos uma releitura do Novo Testamento, porém cientes do verdadeiro sentido da fé e apercebidos de que esse mesmo significado está implícito na conjugação do verbo crer. Para muitos talvez nem seja uma releitura, mas uma primeira leitura, pois quem aprendeu que "basta acreditar em Jesus para ser salvo" raramente irá se interessar por seus ensinamentos. De fato, para que conhecer o que Jesus ensinou se, para ser salvo, basta somente acreditar que ele existiu? Essa conclusão equivocada explica por que a maioria dos evangélicos não se interessa pelos evangelhos, tendo em vista que eles já acreditam que Jesus nasceu de uma virgem, viveu sem pecado, morreu numa cruz, ressuscitou ao terceiro dia e voltará. Por outro lado, há também aqueles que leram todo o Novo Testamento, mas pela motivação errada, apenas adquirir conhecimento, ou ainda pior, apenas para discutir teologia, porém sem qualquer compromisso com seus ensinamentos. 

Minha esperança e oração é que a correta compreensão da fé nos faça ir além de uma crença e confiança em Jesus visando apenas a salvação da alma, mas nos motive a um relacionamento de fiel compromisso com Cristo agora mesmo, no qual cheios do Espírito Santo consigamos andar como ele andou.[10] 

Alan Capriles
(Texto revisto e melhorado em 22/07/2023)


NOTAS

[1] A única exceção que conheço é a tradução de Huberto Rohden , a qual recebeu o título de "A Mensagem Viva do Cristo" e que contém somente os quatro evangelhos. Porém, a despeito de ter acertado neste ponto, não se trata de uma versão confiável, tendo em vista as heresias desse filósofo.

[2] O trecho de duas cartas de Jerônimo revelam o seu temor para com a tradução do texto bíblico:

 "Obrigas-me fazer de uma Obra antiga uma nova […] Qual, de fato, o douto e mesmo o indouto que, desde que tiver nas mãos um exemplar, depois de o haver percorrido apenas uma vez, vendo que se acha em desacordo com o que está habituado a ler, não se ponha imediatamente a clamar que eu sou um sacrílego, um falsário, porque terei tido a audácia de acrescentar, substituir, corrigir alguma coisa nos antigos livros? Um duplo motivo me consola desta acusação. O primeiro é que vós, que sois o soberano pontífice, me ordenais que o faça; o segundo é que a verdade não poderia existir em coisas que divergem, mesmo quando tivessem elas por si a aprovação dos maus".
(Obras de São Jerônimo, edição dos Beneditinos, 1693, t. It. Col. 1425)

"Numa tradução custa muito para conservar a mesma elegância que aparece na expressão de outra língua. Exprime-se alguma coisa com propriedade por uma única palavra? [...] Se traduzo palavra por palavra, ressoa como absurdo; se, por necessidade, modifico por pouco que seja a construção ou o estilo, parecerá que me demito da tarefa de tradutor." 
(Jerônimo - Carta a Pammachium, escrita em 395 d.C.) 

[3] O mesmo ocorre na língua inglesa. Apesar de não ser um idioma de origem latina, o inglês não possui verbo para o substantivo faith (fé) e, sob a influência da Vulgata, as versões inglesas do Novo Testamento substituíram o verbo grego pisteuou por believe (crer).

[4] ARMSTRONG, Karen – Em Defesa de Deus, pág. 98. Não estou aqui recomendando a leitura deste livro, pois é de cunho teológico liberal.

[5] Mais uma vez, a única exceção parece ser a versão de Huberto Rohden, onde ele optou por ter fé como tradução para o verbo pisteuou. Por exemplo, o famoso “para que todo aquele que nele crê não pereça” foi traduzido por Rohden como “para que todo aquele que nele tiver fé não pereça”. Interessante observar que essa não foi sua primeira versão das Escrituras. Rohden, que foi padre jesuíta até 1945, já traduzira todo o Novo Testamento diretamente do grego, mas, estranhamente, nessa primeira versão manteve o equívoco da Vulgata. Teria ele sido pressionado pela igreja católica para manter a tradição? Ou ainda não havia se dado conta da gravidade do problema? Anos depois, quando livre do catolicismo, Rohden escreveria o seguinte alerta, em tom de desabafo: “A substituição de ter fé por crer há quase dois mil anos está desgraçando a teologia, deturpando profundamente a mensagem do Cristo.” (A Mensagem Viva do Cristo, pág. 91) E uma vez mais enfatizo que não estou recomendando a literatura do filósofo Huberto Rohden, mas apenas reconhecendo que nesse ponto ele está corretíssimo. 

[6] A “equivalência dinâmica” é o método de tradução que procura transmitir o sentido de determinada palavra, ou frase, tal como era compreendida na época em que foi originalmente escrita.

[7] ARMSTRONG, Karen – Em Defesa de Deus; São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pág. 98. RODHEN, Huberto – A Mensagem Viva do Cristo; São Paulo: Editora Alvorada, 1983, pág. 90 e 91. CHOURAQUI, André – A Bíblia: O Evangelho Segundo Mateus; Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996.

[8] Fé não é crença, mas as seguintes definições de fé, formuladas no último século, demonstram como seu conceito está completamente deturpado por uma ideia de crença:

"Fé: crença, não baseada em provas, no que é contado por alguém que fala sem conhecimento de coisas sem paralelo." (Ambrose Bierce)

"A fé pode ser definida, em resumo, como uma crença ilógica na ocorrência do improvável." (Henry Louis Mencken)

"Fé é crença sem evidência." (Sam Harris)

[9] Lutero, Sermão 25:7, em Pelikan, The Christian Tradition, IV, p. 163.

[10] A verdadeira fé resultará em transformação interior e prática exterior, que são obra do Espírito Santo na vida de quem sinceramente se rende a Jesus Cristo não somente como suficiente Salvador, mas também como único Senhor.

“Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor.” (Gálatas 5:6)

"A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo." (Tiago 1:27)

“Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta.” (Tiago 2:26)

"Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou." (1 João 2:6)

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07 outubro 2013

OBSTÁCULOS AO CRESCIMENTO ESPIRITUAL

Por Alan Capriles

Em nossa jornada espiritual há muitos obstáculos a se vencer. Geralmente são entraves muito sutis, dos quais não nos damos conta. O problema é que quando isso acontece ficamos espiritualmente estagnados, sem qualquer avanço significativo, presos a conceitos errôneos e preconceitos malignos. Sendo assim, a identificação de tais obstáculos é determinante para que haja progresso e amadurecimento espiritual.

Compartilho a seguir alguns obstáculos que identifiquei em minha própria jornada e com os quais me deparo constantemente. Abaixo de cada um deles escrevi entre aspas o pensamento errôneo que o acompanha e depois o meu próprio comentário a respeito. Espero que isso ajude cada leitor a identificar seus próprios obstáculos, o que ocorrerá somente se o texto for lido de forma introspectiva e numa sincera autoanálise.

Ilusão da quantidade
“Há séculos que tantas pessoas pensam assim... é impossível que estejam erradas.” 
A ilusão da quantidade, seja de tempo ou de pessoas, é mesmo atraente. Ela proporciona uma sensação de segurança, como se milhões de pessoas não pudessem estar equivocadas por tanto tempo. Mas a história comprova que bilhões podem estar enganadas e que muitas vezes o erro perdura por séculos, tal como ocorreu na idade média, chamada também de idade das trevas. Porém, que ninguém se engane: ainda há densas trevas de ignorância em nosso próprio tempo.

Comodismo
“Tudo está tão bem assim... pra que mudar?”
A verdade é que não está tudo tão bem assim. Especialmente no que diz respeito à religião.

Orgulho
“Assumir que eu estava errado por todos esses anos? Nem pensar!”
Sem dúvida, o maior dos obstáculos.

Preguiça
“Prefiro acreditar no que os eruditos já disseram... Pesquisar dá muito trabalho!”
E assim a crença acaba sendo apenas uma questão de escolha e não o resultado de uma boa investigação. Eu acrescentaria ainda que essa preguiça de se averiguar os fatos muitas vezes esconde uma indisposição de se gastar dinheiro com a compra de livros. Uma vez que muitas informações não estão disponíveis na internet, torna-se necessário que compremos bons livros para se completar um estudo bem feito. Eu mesmo passo horas vasculhando livrarias e sebos em busca de determinados títulos. E ainda que somente uma frase se aproveite daquele livro comprado, não importa! Se essa frase contribuir para o meu amadurecimento espiritual, eis um preço muito baixo para um benefício tão nobre.

Medo da solidão
“Se eu pensar diferente todos os meus amigos se afastarão de mim.”
Eis a oportunidade para se descobrir quem são seus verdadeiros amigos! [1]

Tribalismo
“Somente nosso grupo está certo em tudo. Os outros nada têm a nos ensinar.”
E naquele outro grupo há pessoas dizendo exatamente a mesma coisa! Mas que tolice...

Preconceito
“Se ele fosse rico ou diplomado talvez eu lhe desse alguma atenção” ou ainda: “Já tenho opinião formada sobre esse indivíduo, por isso não me interessa o que ele diz.”
Nossos métodos de avaliação são enganosos. Algumas das mentes mais brilhantes da história não se saíram bem na escola, assim como muitos não foram famosos em sua época, sendo reconhecidos somente nas gerações posteriores. Se não quisermos cometer o mesmo erro devemos nos manter abertos, ou seja, procurando aprender algo de valioso com todo tipo de pessoa. Todo tipo mesmo! Você pode até não gostar de alguém, mas que isso não lhe impeça de ouvir o que ele tem a dizer.[2]

Presunção
“Já sei tudo sobre o assunto. Não há mais nada que eu precise saber.”
Assim dizem os tolos. O sábio diria: “Quanto mais sei, mais descubro que nada sei.”

Tradição
“Não posso trair a crença de meus ancestrais.”
Abandonar uma antiga crença familiar não é uma traição. Por outro lado, perpetuar um erro não somente é trair sua geração, bem como aquelas que ainda estão por vir.

Vergonha
“Tenho vergonha de perguntar e parecer um idiota. Prefiro ficar calado e fingir que entendi.”
Idiotice é agir assim. Não há nada de vergonhoso em se fazer perguntas, pois ninguém já nasce sabendo. Geralmente os alunos que mais fazem perguntas são os que tiram as melhores notas.

Precipitação
“Isso era tudo que eu sempre esperava ouvir. Vou mergulhar de cabeça nessa nova revelação!”
Cuidado! Esse pode ser um mergulho suicida. Meu conselho é que você jamais se precipite em abraçar uma nova ideia ou conceito, mas que pesquise bastante primeiro. Uma tese não é necessariamente certa apenas porque contraria o que está errado. O fato de algo estar publicado na internet não o torna mais digno de confiança do que as palavras de um estranho. Verifique as fontes, o contexto de cada versículo e, principalmente, ouça o que o outro lado tem a dizer. Ele pode ou não estar certo. De uma forma ou de outra, seja cauteloso, evitando a precipitação.

Rotulação 
“Agora que não faço mais parte desse ‘ismo’ preciso filiar-me a um ‘ismo’ diferente.”
Não, você não precisa fazer isso! Assumir um rótulo significa prender-se aos ditames a ele relacionados, o que bloqueia nossa liberdade de pensamento e, consequentemente, nosso crescimento espiritual. Ainda que você se identifique com determinado grupo isso não significa que você tenha que se rotular como pertencente a ele. Seja livre! Lembre-se que ao colocar um rótulo você não apenas estará concordando com os acertos de uma instituição, mas também sendo conivente com seus erros. Além do mais, rótulos dividem as pessoas, ocasionando desavenças absolutamente desnecessárias. Não caia nessa armadilha.[3]

Idolatria
“Esse mestre mudou minha vida. Ele é extraordinário! Seguirei tudo o que ele ensinar.”
A mesma pessoa que disse algo verdadeiro e abençoador poderá também dizer algo equivocado e maléfico. Muito cuidado com isso! Seguir alguém cegamente é uma das piores formas de idolatria. Não siga pessoas, siga a verdade em amor. Sendo assim, analise bem tudo o que for ensinado, rejeitando aquilo que não prestar e retendo apenas o que for proveitoso. No entanto, em seu ato de discernimento, julgue as ideias e não as pessoas. Todos nós somos passíveis de cometer erros, inclusive eu, você e aquela personalidade mais prestigiada do momento.

Cheguei ao final da minha lista, a qual não tem a pretensão de ser exaustiva. Possivelmente há outros obstáculos que não consegui ainda identificar, mas estou certo de que esses já nos podem servir de alerta em nossa jornada. Particularmente, o reconhecimento dos enganos que revelei acima proporcionou para mim uma grande libertação. Não obstante, confesso que ainda tenho que enfrentá-los diariamente, precisando manter-me vigilante para não cair nessas ciladas do mundo e da alma. Mas o exercício da vigilância é um leve fardo, que prazerosamente carregarei por toda minha vida. E assim espero que seja também para você.

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Notas:


[2] Confira “Sobre mestres e gurus”.

[3] Para ser um seguidor de Cristo você não precisa necessariamente se rotular de cristão, ou se dizer adepto do catolicismo ou do protestantismo. Uma coisa é ser discípulo do Cristo, que nunca nos ordenou tal rotulação, e outra é ser discípulo do cristianismo, que criou seus rótulos e dogmas. Para uma melhor compreensão, sugiro que o leitor confira o texto “Discípulos de Cristo ou discípulos de cristianismo” e ouça também a mensagem que preguei a respeito do mesmo assunto clicando aqui.

Alan Capriles

19 setembro 2013

QUEM REALMENTE SERVE A JESUS?

Pregação em áudio



"Se alguém me serve, siga-me 
e onde eu estou, ali estará também o meu servo.
E, se alguém me servir, o Pai o honrará."

Jesus Cristo

(João 12:26)

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Para ouvir mais mensagens que preguei confira nossa Playlist no YouTube.
Para baixar o áudio desta e de outras pregações, entre na página de áudio deste blog, clique no título desejado, aguarde abrir uma nova página, e escolha a opção download. O arquivo baixará gratuitamente para o seu computador no formato mp3.
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29 agosto 2013

DEZ CONSELHOS PARA PREGADORES INICIANTES

Por Alan Capriles

Eventualmente sou procurado por pregadores iniciantes, os quais me pedem conselhos sobre o que e como devem pregar. Sendo assim, por que não deixar por escrito algumas dicas? Talvez elas sirvam não somente aos iniciantes, mas também àqueles que desejam se aprimorar no dom que Deus lhes concedeu. Não que eu seja melhor do que ninguém, mas creio que após tantos anos pregando o evangelho, orando por esse ministério, e observando outros pregadores, eu deva ter algo de proveitoso para dizer sobre o assunto. Portanto, o que segue são os dez conselhos mais importantes que eu gostaria que alguém tivesse dado a mim mesmo no início do meu ministério. São conselhos valiosos, testados na prática.[1] Leia-os cuidadosamente, examinando com sinceridade não somente a maneira como elabora sua pregação, mas principalmente sua vida como pregador.[2]

1 - Pregue somente no texto bíblico que estiver "ardendo" em seu coração. Se você não estiver empolgado com sua mensagem, ninguém mais estará. 
Pregadores iniciantes geralmente procuram na Bíblia um texto para se pregar. Jamais devemos fazer isso! Nossas mensagens devem originar-se naturalmente, do hábito de nossa leitura bíblica diária. Cultivando esse hábito é inevitável que, durante a semana, não venhamos a ser impactados por algo que tenhamos lido. É dessa meditação nas Escrituras que surgem as pregações expositivas, ou seja, que expõem o texto bíblico.[3] Essas mensagens são as mais edificantes. Devemos evitar as chamadas pregações temáticas, pois esse tipo de mensagem raramente nasce de um texto, mas daquilo que o próprio pregador decidiu dizer, usando o texto apenas a pretexto de um tema.

2 – Faça seu próprio esboço, ao invés de usar o de outra pessoa. 
Obviamente, o uso do esboço não é obrigatório, mas, caso você venha utilizá-lo, evite usar um esboço de terceiros. Mesmo que seja um esboço de Charles Spurgeon, faça o seu próprio esboço, segundo o que Deus estiver falando ao seu coração. Pregadores iniciantes geralmente caem na tentação de procurar esboços prontos, mas é preferível pregar sem esboço algum a usar um esboço que não tenha nascido de sua própria meditação nas Escrituras.

3 – Ao elaborar seu esboço, escreva o mínimo possível. O esboço é apenas um guia, não é a pregação escrita. 
O esboço não é para ser lido, mas apenas consultado durante a mensagem.[4]  Tomando esse cuidado você conseguirá pregar olhando diretamente para as pessoas e não para o papel. Pregadores iniciantes costumam escrever a pregação no papel, pensando que isso é fazer um esboço, e depois ficam lendo as páginas daquilo que escreveram, sem olhar para os ouvintes – isso mata qualquer pregação! Para não cometer esse erro, anote em seu esboço somente as referências bíblicas e as “palavras chave” que o farão lembrar-se do que deve dizer, ou por qual caminho pretende seguir. Imagine os pontos do seu esboço como se fossem estações de trem, as quais apenas pontuam o caminho pelo qual ele deve passar e que o conduzem ao seu destino final – nesse caso, a conclusão da sua mensagem.

4 - Uma boa pregação tem um só propósito, um alvo bem definido. 
Esse alvo, também chamado de proposição, precisa ser dito logo na introdução da mensagem. Os ouvintes querem saber a respeito do que você irá falar, e se você não esclarecer isso logo no início da mensagem dificilmente eles lhe darão atenção no restante da mesma. O ideal é que a proposição seja clara, bem enfatizada e relembrada no decorrer de toda a pregação.

5 – Os pontos da mensagem precisam estar ligados ao seu propósito e aos ouvintes. 
Não é necessário haver muitos pontos em sua mensagem para que você comprove o que deseja enfatizar. Três pontos é o ideal; quando muito, quatro. Sete pontos torna a mensagem extensa demais. Dez pontos, nem pensar! Mas todos eles devem originar-se do texto e estar ligados à proposição, ou seja, devem ter algo a ver com o foco da sua mensagem. E não somente isso, mas os pontos precisam também estar ligados aos ouvintes, ou seja, devem ter alguma significação para suas vidas. Durante toda a mensagem o pregador deve deixar claro porque a Palavra que ele está pregando tem relevância para os seus ouvintes e como ela se aplica em suas vidas. O desprezo em se aplicar a mensagem na vida dos ouvintes é o que a torna desinteressante e, consequentemente, cansativa. Infelizmente, muitos pregadores cometem esse erro.

6 - Não sobrecarregue sua mensagem com referências bíblicas. 
Basta uma referência para cada ponto da mensagem. Raramente é necessário mais do que isso. Ou seus ouvintes creem na Palavra, ou não!

7 – Toda pregação do evangelho deve se fundamentar em Cristo. 
Sendo assim, compare o que pretende dizer com o que Cristo ensinou. Tenha certeza absoluta de que você não estará pregando ensinamentos errôneos. Isso é muitíssimo importante! Na dúvida, seja humilde e pergunte ao seu pastor.

8 - Seja você mesmo. 
Não tente imitar outros pregadores, tenha seu próprio estilo. Se você não acreditar em você, ninguém mais acreditará. Lembre-se também de que não adianta pregar uma coisa e viver outra. O exemplo do pregador fala mais fortemente que sua pregação.

9 - Por mais dura que seja a mensagem, pregue com amor. 
Tenha compaixão pelas almas. Termine sempre sua pregação semeando esperança e fé nos seus ouvintes, lembrando-lhes da misericórdia Deus, o qual é poderoso para transformá-los e transformar suas vidas. Conclua sua mensagem positivamente, motivando seus ouvintes a uma conversão genuína, por meio do arrependimento e da confissão de pecados em oração.

10 - Gaste tempo meditando e orando sobre sua mensagem. 
Não há nada pior para um pregador do que ele estar desprovido da unção. Portanto, cultive uma vida de oração. Encha-se do Espírito Santo e permita que Ele pregue através de você. Não cofie em si mesmo, mas na unção de Deus que opera através da sua vida.

Siga esses conselhos e sua pregação certamente será uma bênção! Dizer isso me fez lembrar que devo acrescentar algo muito importante. Mais cedo ou mais tarde ocorrerá aplausos durante a sua pregação, algo que você não deve forçar, mas que acontecerá espontaneamente. Sempre que isso ocorrer lembre-se de que esses aplausos não são para você, mas para a Palavra de Deus que está sendo pregada. Não há nada pior que um pregador soberbo, que busca glória para si mesmo. Mantenha-se sempre humilde. Somente a Deus seja a glória.

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Notas:

[1] Para ouvir algumas mensagens que preguei, clique aqui.

[2] Sei que alguns leitores tem uma ideia negativa quanto à pregação. Creio que tenham sido influenciados pela leitura do livro Cristianismo Pagão, de Frank Viola. Apesar de eu concordar com praticamente tudo que há nessa obra fantástica, faço uma ressalva quanto ao seu ponto de vista acerca do sermão. A meu ver, Viola radicalizou a questão, olhando com maus olhos algumas características que não são negativas em si mesmas. Por exemplo, o fato de se pregar ou não atrás de um púlpito não faz diferença alguma. Preguei durante anos em praças públicas e sei, pela prática, que o resultado é o mesmo. Outro argumento defendido por Viola, o de que “interrupções por parte da audiência eram comuns” nas pregações do Novo Testamento, simplesmente não se sustenta. Basta uma leitura do livro de Atos para que vejamos que as pregações não eram diálogos, mas proclamações do evangelho. Além do mais, não é proibido que alguém pergunte ou faça comentários durante uma pregação, coisa que já aconteceu comigo algumas vezes e que encarei com simpatia e atenção. Porém, a mais estranha crítica de Viola foi ele condenar que a pregação ocorra “pelo menos uma vez por semana” como se isso fosse algo negativo. Será que ele está sugerindo que devêssemos pregar menos?! Ora, quanto mais se proclamar o evangelho, melhor! Por outro lado, concordo plenamente que a pregação deve ser algo espontâneo, segundo a direção do Espírito Santo. O que Frank Viola esquece, ou ignora, é que o bom pregador se entrega à direção do Espírito Santo desde antes da preparação de um esboço, sendo este também preparado debaixo da mesma unção. O resultado são vidas impactadas e transformadas pela exposição da Palavra de Deus, fato que tenho testemunhado por toda a minha vida como pregador do evangelho. E por isso continuo pregando. 

[3] Para quem deseja se aprofundar no assunto da pregação expositiva, indico a leitura de A Importância da Pregação Expositiva para o Crescimento da Igreja, excelente livro de Hernandes Dias Lopes.

[4] Pregar sem esboço é o ideal. Mesmo que você elabore um rascunho, contendo a introdução, proposição, pontos da mensagem e conclusão, procure memorizar tudo e tente pregar sem a dependência do papel.

Alan Capriles