17 outubro 2012

A INCÔMODA VERDADE DO GRANDE JULGAMENTO

E por que poucos pregam essa mensagem


Por Alan Capriles

Desconfio que a passagem conhecida como "O Grande Julgamento das Nações" seja o texto menos pregado dos púlpitos evangélicos. Não estou me referindo ao relato do Grande Trono Branco, que se encontra no livro do Apocalipse, pois esse é lembrado por muitos pregadores. Refiro-me ao texto do evangelho segundo Mateus, capítulo 25, no qual Jesus declara que "todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa os cabritos da ovelhas." (Mt 25:32)

Suponho que a razão para que esse texto não seja pregado é sua desconcertante simplicidade. Nele, a salvação se descortina de uma forma totalmente livre de doutrinas teológicas. Para Jesus, os benditos do Pai não são necessariamente os religiosos, mas aqueles que deram comida ao faminto, água ao sedento, que hospedaram o forasteiro, que vestiram aquele que estava nu, que visitaram o enfermo e também o encarcerado. Esses, que praticaram o amor ao invés de tê-lo somente em palavras, são os que, surpresos, ouvirão do Rei naquele grande dia: "Foi a mim que fizestes." (Mt 25:40) No entanto, aqueles que se esquivaram de amar o próximo, ouvirão exatamente o contrário: "A mim deixastes de fazer". E por isso estes "irão para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna." (Mt 25:46)

Como esse texto é simples! Como seu ensinamento é claro! Como sua mensagem é importante! Mas, então, por que quase não há pregações nesse texto?

Não posso dizer que nunca ouvi alguém pregar nessa passagem bíblica. Lembro-me de um pastor que tive na minha juventude que certa vez pregou com base nesse texto. Não tenho boa memória, especialmente para mensagens que foram pregadas há mais de vinte anos, mas essa me marcou profundamente - mas não por ser uma boa pregação, e sim pelo absurdo que foi dito. O pastor simplesmente "espiritualizou" o texto, dizendo que a fome não seria de comida, mas da palavra de Deus, que a sede não seria de água, mas do Espírito Santo, e assim por diante...

Aquilo foi um choque pra mim! Especialmente porque eu mesmo havia lido aquele texto publicamente, poucos dias antes, numa saída que fizera com a juventude daquela igreja. Estávamos passeando na Quinta da Boa Vista e o líder de jovens cedeu oportunidade para quem quisesse dizer alguma coisa, que podia ser um testemunho, ou a leitura de um texto. Sentindo meu jovem coração bater forte, e após já não conseguir mais resistir, levantei-me, com a bíblia aberta no texto de Mateus 25:31-46. Não me lembro bem do que eu disse após a leitura, mas recordo sentir um fogo ardendo dentro de mim. Essa era a primeira vez que eu pregava, ainda que tenha sido por poucos minutos. Duas senhoras, que passeavam pelo parque, se aproximaram para ouvir o que eu estava dizendo e me abordaram após a breve pregação. Elas sorriram e se limitaram a dizer: "Continue assim". Quando lhes perguntei de qual igreja eram, a resposta me surpreendeu: "Somos católicas, mas continue assim; não pregue religião, pregue o que Jesus ensinou." Aquilo me marcou profundamente. Talvez tenha sido a primeira vez em que percebi haver uma distinção entre o ensino do cristianismo e o ensino de Cristo.

Mas o que me trouxe tais recordações foi a recente pregação de um famoso pastor, que também procurou reinterpretar o mesmo texto. Ao invés de espiritualizá-lo, como havia feito aquele pastor anos atrás, esse famoso pregador fez o contrário: literalizou o texto ao extremo. Segundo ele, nós não estamos prestando atenção num pequeno detalhe, que seria a palavra "irmãos", que só aparece no versículo 40:

"O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."

Esse famoso pastor, que pregou essa mensagem num prestigiado congresso, ensinou que somente aquilo que fazemos para cristãos (ou seja, irmãos) é que será recompensado por Deus. A mensagem subliminar que ele estava ensinando, ainda que ele não tenha se dado conta disso, é a seguinte: "Não se importe muito em ajudar quem não é cristão, pois Jesus não tem qualquer empatia por eles e você não receberá recompensa alguma por isso." Apesar dele não ter dito com essas palavras, a conclusão não pode ser diferente. Afinal de contas, por que outra razão ele tocaria no detalhe da palavra "irmãos"? 

Não temos o direito de julgar as intenções de qualquer homem e não é o que farei aqui. Além do mais, tenho grande estima por esse pregador e fui edificado por muitas de suas mensagens. Todavia, por mais que admiremos alguém, temos o dever de examinar seus ensinamentos, conferindo qualquer doutrina com aquilo que o próprio Jesus ensinou. Sendo assim, precisamos examinar a seguinte questão:
Estaria Jesus ensinando que só devemos ajudar os irmãos da mesma fé e que não há recompensa divina para quem ajuda incrédulos?
Não precisamos ir longe para encontrarmos a resposta. O próprio texto já nos oferece uma pista. Ainda que Jesus tenha dito a palavra "irmãos" para os que são salvos, observe que essa palavra não é repetida em sua frase de condenação: "Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer." (Mt 25:45) Ora, não aparece a palavra "irmãos" nesse trecho do que Jesus ensinou.

Sendo assim, se quisermos ser literalistas, levando ao extremo a presença da palavra "irmãos" no versículo 40 e sua ausência no versículo 45, a conclusão inevitável será esta: "Toda vez que fazemos o bem a qualquer cristão, foi a Jesus que fizemos (v.40). E toda vez que deixamos de fazer o bem a qualquer pessoa, seja cristã ou não, foi também a Jesus que deixamos de fazer (v.45)."

O problema é que o pregador não mencionou a ausência da palavra "irmãos" no versículo 45. Mas, mesmo que ele o tivesse feito, sua conclusão não estaria de todo correta. Em parte alguma dos evangelhos encontraremos Jesus dizendo que só haverá recompensa para o auxílio prestado somente a irmãos. Muito pelo contrário! Quando examinamos o que Jesus disse, nos deparamos com algo totalmente oposto a isso:
"Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa?
Porque até os pecadores amam aos que os amam.
Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa recompensa?
Até os pecadores fazem isso.
E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a vossa recompensa?
Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto.
Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga;
será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo.
Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus.
Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai."
(Lucas 6:32-36)
Você percebe? A recompensa só está garantida quando amamos e fazemos o bem justamente àqueles que não merecem! Por isso é que ficarão surpresos aqueles que ouvirão o Rei dizer "Foi a mim que fizestes", pois eles não esperavam por isso. Eles não esperavam que o Senhor dissesse que aqueles famintos e miseráveis também eram seus irmãos. Isso nos faz lembrar da Parábola do Filho Pródigo. O filho mais velho também precisou ser lembrado pelo pai de que aquele pecador que retornava ainda era seu irmão. Um irmão que estava morto e reviveu, que estava perdido e foi achado. Mas, ainda assim, seu irmão. Sempre seu irmão. (Lc 15:32)

Concluindo, o fato é que devemos ser misericordiosos com todos. Ainda que nossos irmãos em Cristo mereçam a prioridade, isso não deve ser confundido com exclusividade. Devemos fazer o bem a todos! (Confira Gl 6:10). Somente a prática deste amor incondicional é que nos torna genuínos filhos de Deus (Confira também Mt 5:44-48). Essa é a verdade. Uma verdade incômoda para os acomodados da religião, mas é a verdade. O resto... O resto é a complicada teologia de quem fala muito e procura argumentos bíblicos para se amar pouco.

Alan Capriles
- Texto atualizado em 05/Out/2015

12 outubro 2012

QUAL O SENTIDO DA VIDA?



Por Alan Capriles

Tanto por seus ensinamentos, quanto por seu exemplo, Jesus deixou bastante claro que a vida não consiste em "ter", mas a vida consiste em "ser". Não o "ser cheio de si mesmo", mas exatamente o contrário: devemos renunciar a nós mesmos para que sejamos cheios da presença de Deus.

Sendo assim, o sentido da vida não está no acúmulo de bens, ou na conquista de fama e poder. Nenhuma destas coisas é o foco da nossa existência. O sentido da vida consiste em sermos transformados a cada dia, trocando atitudes destrutivas (tais como egoísmo, orgulho, inveja, intolerância) pela prática de valores espirituais, divinos e eternos (tais como a solidariedade, a simplicidade, o perdão, a honestidade, o amor).

A salvação da qual Jesus falava não é outra coisa senão você ser salvo de si mesmo. Quem não deixa de ser um diabo nesta vida não deveria esperar pelo céu após a morte.

Por conseguinte, quem compreende e pratica o que Cristo ensinou (independente de religião) já passou da morte para a verdadeira vida, havendo despertado para sua real filiação divina. Quem herdará o reino celestial, senão aquele que acumula virtudes, ao invés de bens materiais, que conquista a si mesmo, ao invés de fama e poder?

Portanto, quem vive pelo ser, e não pelo ter, é um bem-aventurado que já está vivendo no céu, ainda que caminhe sobre a face da terra.

Alan Capriles

01 outubro 2012

COMO O PASTOR DESTRÓI A SI MESMO

Por Frank Viola

O moderno pastor prejudica não apenas o povo de Deus, ele prejudica a si mesmo. A posição de pastor, de uma forma ou de outra, atrofia os que assumem essa função. As freqüentes depressões, vazio, estresse, e o desequilíbrio emocional são terrivelmente constantes entre os pastores. Nesse momento há mais de 500 mil pastores servindo nas igrejas nos Estados Unidos. [1] Deste grande número, considere a seguinte estatística que revela o perigo mortal da posição de pastor:

  • 94 % sentem-se pressionados a ter uma família ideal.
  • 90 % trabalham mais de 46 horas por semana.
  • 81 % reportam uma insuficiência de tempo com seu cônjuge.
  • 80 % crêem que o ministério pastoral prejudica a família.
  • 70 % não têm o que se considera um amigo íntimo.
  • 70 % têm menos auto-estima agora do que tinham quando entraram no ministério.
  • 50 % sentem-se incapazes de cumprir as necessidades de sua posição.
  • 80 % estão desanimados ou tratando de uma depressão.
  • 40 % reportam sofrer pela timidez, horários frenéticos e falsas expectativas.
  • 33 % consideram o ministério pastoral um perigo para a família.
  • 33 % consideraram renunciar suas posições durante o último ano.
  • 40 % das renúncias pastorais devem-se ao vácuo (a chama se apagou).

Espera-se que a maioria dos pastores exerça 16 tarefas simultâneas. E a maioria acaba pulverizada pelas pressões. Por esta razão, mensalmente, 1.600 ministros entre todas as denominações nos Estados Unidos são demitidos ou são forçados a renunciar. Durante os últimos 20 anos a média do pastoreado reduziu de sete para pouco mais de dois anos!

Lamentavelmente, poucos pastores se dão conta de que é a posição de pastor que causa esta turbulência subjacente. Naturalmente, Jesus Cristo nunca desejou que alguma pessoa desempenhasse a variedade de coisas que se requer do pastor! Ele nunca desejou que alguém carregasse uma carga tão pesada.

As demandas do pastorado são terríveis. Tanto que leva qualquer mortal ao esgotamento. Imagine-se por um momento trabalhando em uma companhia que lhe paga para manter seus colegas de trabalho animados. Que você faria se seu pagamento dependesse do teu grau de ocupação e amistosidade, da popularidade de sua esposa e filhos, da qualidade de suas roupas, e da perfeição de seu comportamento?

Dá para imaginar o completo estresse que isso lhe causaria? Dá para ver o papel que seria obrigado a exercer, da presunção a arrogância — tudo para poder manter seu poder, prestígio e segurança no trabalho? (Por esta razão, a maioria dos pastores é insensível quanto a receber qualquer tipo de ajuda).

A profissão de pastor dita padrões de conduta como qualquer outra profissão como professor, médico ou advogado. A profissão dita como o pastor deve vestir-se, falar e atuar. Esta é uma das principais razões pela qual tantos pastores vivem vidas tão artificiais.

Nesse aspecto, o rol pastoral fomenta a desonestidade. A congregação espera que seu pastor esteja sempre alegre, disponível a todo o momento, nunca ressentido, nunca amargurado, espera que ele tenha uma família perfeitamente disciplinada, e que seja completamente espiritual a todo o momento. Os pastores exercem este papel como atores de um drama grego. Isto explica a voz afetada da maioria dos pastores em suas pregações e orações. Isto explica a maneira piedosa de cumprimentar, a maneira peculiar com que dizem “o Senhor” e a maneira especial como se vestem.[2]

Todas estas coisas são em grande parte fumaça e luar — totalmente desprovidas de realidade espiritual. A maioria dos pastores não pode permanecer nesse ofício sem ser corrompido em algum nível. O endêmico poder político do ofício é um problema enorme que isola muitos deles e envenena a relação deles uns com os outros.

Em um inquietante artigo para pastores intitulado Prevenindo a Cauterização do Clero, o autor sugere algo assustador. O conselho dele para os pastores nos dá uma visão clara do poder político que ronda o pastorado. Ele implora aos pastores: “Exerça uma posição de companheirismo com o clero de outras denominações. Estas pessoas não podem prejudicá-lo eclesiasticamente, porque eles não pertencem ao seu círculo oficial. Não há nenhum tapete político que eles possam puxar para derrubá-lo”.

A solidão profissional é outro vírus que contamina fortemente os pastores. A praga da ilha solitária leva alguns pastores a buscar outras carreiras. Outros encontram destino mais cruel.

Todas estas patologias encontram sua raiz na história do pastorado. É “solitário o cume” porque Deus nunca quis que ninguém fosse para o cume — exceto Seu Filho! Com efeito, o pastor moderno coloca sobre seus ombros as 58 exortações do Novo Testamento que deveriam ser mutuamente compartilhadas pelos crentes. Não é de admirar que a maioria dos pastores sofre esmagada pelo peso.
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Fonte:
Trecho do livro "Cristianismo Pagão - A Origem das Práticas de Nossa Igreja Moderna" (Frank Viola)

As notas deixadas pelo autor são muito mais extensas do que as que seguem abaixo. Estas foram selecionadas por eu considerá-las mais necessárias à compreensão do texto.

[1] Este número foi extraído do Barna Research Group (East Hillsborough Christian Voice, February 2002, p. 3). Metade destas igrejas tem menos de 100 membros ativos (“Flocks in Need of Shepherds”, The Washington Times, July 2, 2001).

[2] Sei que nem todos os pastores caem nesta armadilha. Mas os poucos que podem resistir esta incrível pressão são exoticamente raros. Eles constituem dramáticas exceções a uma norma bem trágica.