JESUS EXISTIU?


Por Bart D. Ehrman

Em uma sociedade em que as pessoas ainda afirmam que o Holocausto não aconteceu, e em que há afirmações contundentes de que o presidente americano é, na verdade, um muçulmano nascido em solo estrangeiro, é alguma surpresa aprender que a maior figura da história da Civilização Ocidental, o homem sobre quem foi construída a mais poderosa e influente instituição social, política, econômica, cultural e religiosa do mundo – a Igreja Cristã – o homem que é adorado, literalmente, por bilhões de pessoas hoje – é alguma surpresa ouvir que Jesus nunca sequer existiu?

Essa é uma afirmação feita por um grupo pequeno mas crescente de escritores, blogueiros e viciados em internet que chamam a si mesmos de mitologistas. Esse grupo extraordinariamente vociferante de negativistas sustenta que Jesus é um mito inventado para propósitos nefastos (ou altruístas) pelos primeiros cristãos, que modelaram seu salvador através da linhagem divina de um homem pagão que também nasceu de uma virgem em 25 de dezembro, que também fez milagres, morreu como expiação pelo pecado e foi, então, ressuscitado dos mortos.

Poucos desses mitologistas são realmente estudiosos formados em História Antiga, religião, estudos bíblicos ou qualquer campo similar, sem falar nas línguas antigas geralmente estudadas por quem quer dizer alguma coisa com algum grau de autoridade sobre um professor judeu que (supostamente) viveu na Palestina do primeiro século. Existem algumas exceções: das centenas – milhares? – de mitologistas, dois (que eu saiba) realmente têm doutorado e credenciais em áreas relevantes de estudo. Mas mesmo tendo isso em conta, não há um único mitologista que ensina Cristianismo Primitivo ou até mesmo as civilizações da Antiguidade Clássica em alguma instituição de ensino superior respeitada no mundo ocidental. E não é de se admirar o porquê. Essas opiniões são tão radicais e tão pouco convincentes para 99,99 por cento dos verdadeiros especialistas daquela área como seria para eles pegarem uma vaga de emprego em um respeitado departamento de Religião como criacionistas ou como defensores da formação do mundo em seis dias num departamento de Biologia.

Por que, então, o movimento mitologista vem crescendo, com defensores tão confiantes de suas opiniões e contestações – mesmo bem articuladas – em sua radical denúncia da ideia de que Jesus realmente existiu? É, em grande parte, porque esses que negam [a existência de] Jesus são os mesmos que denunciam a religião – um tipo de pessoa que agora está muito na moda. E que melhor maneira de caluniar a visão religiosa da grande maioria das pessoas do mundo ocidental, que se mantém, apesar de tudo, predominantemente cristã, do que a alegação de que o fundador histórico de sua religião era, na verdade, o produto da imaginação de seus seguidores?

Mas a visão dos fundadores era diferente. A realidade – triste ou salutar – é que Jesus era real. E este é o tema de meu novo livro, “Jesus existiu?”.

É verdade que Jesus não é mencionado em nenhuma fonte romana de sua época. Mas isso não deveria ser contabilizado para se negar sua existência, uma vez que essas mesmas fontes quase não mencionam ninguém de sua época e lugar. Nem mesmo o famoso historiador judeu, Josefo, ou até, mais particularmente, a figura mais poderosa e importante de sua época, Pôncio Pilatos.

Também é verdade que as nossas melhores fontes sobre Jesus, os Evangelhos, estão cheias de problemas. Eles foram escritos décadas após a vida de Jesus por autores tendenciosos que estão em desacordo uns com os outros em cada linha. Mas os historiadores nunca podem descartar fontes apenas porque elas são tendenciosas. Você pode não confiar na visão de Rush Limbaugh de Sandra Fluke, mas ele certamente fornece evidências de que ela existe.

A questão não é se as fontes são tendenciosas, mas se fontes tendenciosas podem ser usadas para fornecer informação histórica confiável, uma vez que o joio tendencioso é separado do cerne histórico. E os historiadores têm buscado meios de fazer isso.

Com relação a Jesus, temos numerosos relatos independentes de sua vida nas fontes por trás dos Evangelhos (e os escritos de Paulo) – fontes que foram originalmente escritas em aramaico, a língua nativa de Jesus, e que podem ser datadas dentro de apenas um ano ou dois de sua vida (antes de a religião cristã ser mudada para converter os pagãos). Fontes históricas como essas são bastante surpreendentes para figuras antigas de qualquer tipo. Além disso, temos escritos relativamente extensos de um autor do primeiro século, Paulo, que adquiriu sua informação da vida de Jesus dentro de alguns anos e que sabia, em primeira mão, de Pedro, o discípulo mais próximo de Jesus e de seu próprio irmão Tiago. Se Jesus não existiu, você pensaria que seu irmão saberia.

Além disso, a afirmação de que Jesus foi simplesmente inventado não se sustenta. Os alegados paralelos entre Jesus e os deuses-salvadores “pagãos” na maioria dos casos residem na imaginação moderna. Não sabemos quantos outros nasceram de uma virgem, morreram como expiações pelo pecado e, em seguida, foram ressuscitados dos mortos (apesar do que os sensacionalistas afirmam ad nauseum em suas propaladas versões).

Além disso, aspectos da história de Jesus não teriam simplesmente sido inventados por quem deseja fabricar um novo salvador. Os primeiros seguidores de Jesus declararam que ele era um Messias crucificado. Mas antes do Cristianismo, não havia absolutamente nenhum tipo de judeu que pensava que haveria um futuro messias crucificado. O Messias era pra ser uma figura de grandeza e poder que derrotaria o inimigo. Qualquer um que quisesse inventar um messias faria dessa forma. Por que os cristãos não fariam também? Porque acreditavam especificamente que Jesus era o Messias. E eles sabiam muito bem que ele foi crucificado. Os cristãos não inventaram Jesus. Eles inventaram a ideia de que o Messias tinha de ser crucificado.

Alguém pode escolher repetir as preocupações de nossos menosprezadores culturais modernos e pós-modernos da religião institucionalizada (ou não). Mas, certamente, a melhor maneira de promover qualquer agenda desse tipo é negar o que virtualmente todos os historiadores sensatos do planeta – cristãos, judeus, muçulmanos, pagãos, agnósticos, ateus, o que for – concluíram baseados em uma gama de evidências históricas convincentes.

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Resenha do livro "Did Jesus Existed?" (Jesus Existiu?) escrito por Bart D. Ehrman, mas ainda não publicado no Brasil. 
Bart Ehrman é um historiador e teólogo norte-americano que tem se destacado como um dos principais estudiosos do cristianismo primitivo, tendo se doutorado pela Universidade de Princeton e atualmente sendo docente da Universidade da Carolina do Norte. Alguns de seus livros já foram lançados em português, como "O que Jesus Disse? O que Jesus não Disse?", "Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?", "Pedro, Paulo e Maria Madalena", "Evangelhos Perdidos", entre outros. Como agnóstico declarado, sua firme posição em assegurar que Jesus existiu causou grande incômodo entre aqueles que negam sua existência.
O texto foi traduzido por Betone Souza e compilado de seu blog.
Veja o texto original em inglês clicando aqui.

Comentários

Regina Farias disse…
O que eu acho engraçado - pra não dizer trágico - é que as mesmas pessoas que se recusam a acreditar na existência de Jesus, são as que acreditam em outros fatos históricos que foram repassados por fontes que tinham também seus problemas. Afinal, como bem diz o autor, não é porque as fontes são tendenciosas que se descarta uma informação histórica.
O que eu vejo, na verdade, são pessoas se valendo de justificativas rasas, para extravasar suas insatisfações, angústias e crises existenciais, 'vingando-se' ao dizer que Jesus é uma farsa e que Deus não existe. Por isso que se diz que ateísmo é muito mais uma doença da alma do que um caso de ceticismo mesmo.
Olá, neste blog é feita uma análise aos textos dos evangelhos:
http://quem-escreveu-torto.blogspot.pt/
Cumprimentos