Um alerta solene aos pastores
O entretenimento está tão enraizado na cultura evangélica brasileira que parecerá um absurdo a tese que defendo. No entanto, esse não é um problema novo e nem exclusivamente nosso. Já na segunda metade do século 19, em seu famoso artigo "Apascentando ovelhas ou entretendo bodes?" o pastor inglês Charles Haddon Spurgeon, alertava que o fermento diabólico do entretenimento acabaria levedando toda a massa do evangelho.[1] E é nesse lastimável estado de fermentação que se encontra a massa evangélica atual - não somente no Brasil, mas em praticamente todo o mundo.
Hoje em dia é quase impossível que uma igreja não tenha conjuntos musicais, corais, grupos de coreografia, ou cantores para se apresentar durante o culto. Não estou dizendo que seja errado se divertir de vez em quando, ou que seja pecado cantar e dançar. Particularmente, valorizo muito meus momentos de descontração, pois sei o quanto isso me faz bem. No entanto, é de consenso geral que tudo deve ter sua hora e seu apropriado lugar. A despeito disso, vemos na maioria das igrejas o precioso tempo do culto, que deveria ser usado para edificação, ser tomado por todo tipo de apresentações, com a desculpa de que "é tudo pra Jesus". Apenas esqueceram de perguntar-lhe se ele deseja tal coisa... Mas, ironias à parte, a realidade é que tais apresentações não passam de entretenimento vão, que em nada edificam, mas que vem acrescidas de um verniz de santidade, ou capa de religiosidade, para que sejam chamadas de obra de Deus.[2]
Por favor, que ninguém fique ofendido, pois também expresso aqui um mea culpa. Houve época em que também eu desperdiçava horas com ensaios de conjuntos e coreografias, enganando a mim mesmo e convencendo também aos outros de que esse ativismo todo podia ser chamado de obra de Deus. Mas a verdade é que eu sempre senti que havia algo de errado - que não era nisso que deveríamos estar focados - e isso fazia com que eu me sentisse um traidor. Como não havia quem me alertasse, foi por meio de minha própria meditação nos evangelhos que tive meus olhos abertos e fui convencido de meu erro.
Desde então tenho refletido seriamente a respeito disso, percebendo o quanto temos deixado de crescer com nossas distrações pueris e o quanto isso tem prejudicado a propagação do verdadeiro evangelho. Consegui encontrar mais de uma dezena de boas razões para eliminar por completo o entretenimento dos cultos na igreja que pastoreio - algo que logo fizemos! Passamos então a investir melhor nosso tempo, substituindo as horas que antes gastávamos com ensaios entre quatro paredes por evangelização na comunidade, encontros de edificação nos lares e pela realização de projetos sociais relevantes.[3] E, quanto às apresentações nos cultos... sinceramente, não estão fazendo a menor falta.
Sendo assim, compartilho pelo menos 12 razões que nos fizeram eliminar o entretenimento dos cultos que realizamos - lembrando que nossa resolução, aparentemente radical, só nos trouxe benefícios, tanto a nível individual, quanto coletivo.
1 - Não encontramos qualquer incentivo de Cristo ao entretenimento em seu nome
Para os que realmente querem seguir os ensinamentos de Cristo, somente esta razão já seria suficiente e não precisaríamos de qualquer outro argumento. O problema é que raramente se encontra hoje uma igreja que queira levar a sério o que Jesus ensinou. Sendo assim, talvez seja necessário ainda os argumentos a seguir.
2 - Entretenimento não atrai ovelhas
Particularmente, não gosto de rótulos. Mas, a título de melhor compreensão, chamemos de ovelhas aqueles que realmente amam a Jesus e buscam seguir seus ensinamentos (Jo 10:27). Esse argumento interessa principalmente a pastores que buscam atrair pessoas já convertidas para suas igrejas - o que não é necessariamente errado, pois há crentes que mudam de cidade e precisam encontrar uma boa igreja para congregar. Ora, dificilmente a realização de shows na igreja atrairá cristãos fiéis, aqueles que realmente estão interessados em crescimento espiritual. Por outro lado, as apresentações no culto serão um atrativo para os que gostam de uma distração gratuita. Mas, será que podemos chamar esses crentes de ovelhas, ou, como sugeriu Spurgeon, não seria melhor identificá-los como bodes, uma vez que só buscam entretenimento? (Mt 25:32-33)
3 - Entretenimento afasta as ovelhas
As verdadeiras ovelhas não se satisfazem com apresentações durante o culto. Elas querem oração e palavra, edificação e unção. Uma ovelha de Cristo não procura emoções, mas a Verdade, a fim de que se mantenha firme no caminho da vida e na propagação do reino (Jo 6:67). Quanto mais o pastor encher o culto com apresentações, mais rapidamente as verdadeiras ovelhas irão debandar, em busca de uma igreja mais fiel, que priorize a oração e o ensino da Palavra. Aos poucos, a "igreja-show" deixará de ter ovelhas para estar ainda mais cheia, porém de bodes, que gostam de uma boa distração. E, infelizmente, o que muitos pastores buscam hoje é somente quantidade - o crescimento a qualquer custo. E, com este fermento, a massa realmente cresce...
4 - Entretenimento reduz o tempo de oração e palavra
O tempo de culto já é muito limitado, chegando a ter, no máximo, duas horas. Quando se dá oportunidade para apresentações, o tempo que deveria ser usado para oração e ensino torna-se curtíssimo. Em algumas igrejas o momento reservado para a Palavra não chega nem a vinte minutos por culto! Como desenvolver uma mensagem expositiva, que realmente alimente as ovelhas, em tão curto espaço de tempo?
5 - Entretenimento confunde os visitantes
Os visitantes de uma igreja de entretenimento concluirão que ela existe em função disto: de criar conjuntos, corais, coreografias, peças teatrais, ou qualquer outro tipo de apresentação que torne o culto divertido. E eles passarão a frequentar os cultos com esta expectativa, esperando pelo próximo espetáculo e não para se desenvolver espiritualmente.
6 - Entretenimento ilude os membros
É normal que os membros das igrejas voltadas para o entretenimento pensem que estão servindo a Deus com suas apresentações. Desta forma, sua consciência fica cauterizada para atender aos apelos para participar da escola bíblica, do evangelismo, ou dos projetos de assistência social. Afinal de contas, o membro pensa que seu chamado é para um palco (ao qual chama de altar), e não para serviços que não lhe colocam debaixo de holofotes - os quais são muito comuns nas igrejas hoje em dia.
7 - Entretenimento é um desgaste desnecessário
Quanto esforço é despendido para que tudo saia perfeito: o passo de dança, a afinação do coral, a fala decorada... Tanta energia gasta naquilo que o Senhor nunca mandou fazer! Será que ainda restarão forças e tempo para se fazer o que realmente Cristo nos ordentou fazer? (Lc 6:46; Mt 25:31-46)
8 - Entretenimento coloca os carnais em destaque
Pessoas que raramente aparecem nos cultos de oração e estudo bíblico, e que nunca comparecem ao evangelismo, geralmente são as mesmas que gostam de aparecer cantando, dançando ou representando nos cultos mais cheios. A questão é: Por que dar prioridade e destaque justamente para esses membros que desprezam o próprio crescimento espiritual?
9 - Entretenimento promove disputas
Disputas entre membros, entre conjuntos e até entre igrejas. Quem canta melhor? Quem dança melhor? Que conjunto tem o uniforme mais bonito? Quem recebeu mais oportunidade? (1 Co 3:3; Tg 4:1)
10 - Entretenimento alimenta o ego
O entretenimento não gera fé, mas fortalece o ego dos que amam receber aplausos e elogios. Apesar de sua roupagem "gospel", o fermento dos fariseus continua tão venenoso quanto nos dias de Jesus (Mt 23:5-6; Lc 12:1)
11 - Entretenimento é um desperdício de tempo
Alguém já disse que "a mais lamentável de todas as perdas é a perda do tempo." Se o mesmo tempo que as igrejas gastam com ensaios e apresentações fosse utilizado com oração e evangelismo, este mundo já teria sido alcançado pela graça de Deus! (Ef 5:15-17)
12 - Entretenimento não é fazer a obra de Deus
A desculpa para o entretenimento é que este seria uma forma estratégica de atrair as pessoas. Mas a questão novamente é: que tipo de pessoas? Se entretenimento fosse uma boa alternativa, certamente a igreja apostólica teria usado de entretenimento para atrair as multidões. No entanto, os apóstolos simplesmente pregavam o evangelho, porque sabiam que nele há poder. O evangelho "é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê" (Rm 1:16). Mas o entretenimento... O entretenimento é a artimanha do homem para a perdição de todo aquele que se distrai.
Devo concluir com uma palavra direta aos pastores. De pastor para pastor. Amado colega de ministério, não duvide do poder do evangelho para atrair e converter as pessoas. Não queira encher sua igreja com atividades vazias e atraentes ao mundo, mas que não têm o poder do Espírito Santo para converter vidas. Tenha coragem e limpe sua congregação desta imundície egocêntrica. Igreja não é circo, nem clube. Talvez, com tal atitude, você perderá alguns membros - mas, lembre-se: não perderá ovelhas, somente bodes. Tenha fé em Deus e confie no modelo bíblico para o crescimento saudável da igreja, modelo que é pautado na oração, nas boas obras e na pregação ousada do genuíno evangelho de Cristo. Lembre-se também disto: "enquanto os homens procuram melhores métodos, Deus procura melhores homens." Seja você esse homem.
Alan Capriles
(Atualizado em Set/2014)
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Notas
[1] Confira o alerta de Spurgeon clicando aqui.
[2] Promover a mútua edificação deve ser o propósito de toda reunião cristã (1Co 14:26)
[3] Isso não significa que nossa igreja não tenha atividades divertidas, ou momentos de lazer em comunhão. Significa somente que não usamos mais o tempo do culto para tais atividades, que são importantes, mas não a ponto de permitirmos que roubem o tempo devido a oração e a palavra.
Comentários
Que Deus continue lhe abençoando cada vez mais!
Publiquei no PC@maral agorinha mesmo! risos...
Estou seguindo o seu blog. Parabéns! Muito bom!
Foi uma dica do PC@maral.
Abraços, em Cristo!
E obrigado por indicar o Msº Arildo André.
Deus lhes abençoe cada dia mais!
Gostei do seu BLOG e compartilho com muitas coisas que vc escreve.
Li as críticas desse post, mas gostaria de passar pro lado prático:
- Vc sugere que no culto não haja louvor? Acho meio complicado generalizar algumas coisas.
- Vc sugere que a igreja não faça eventos de nenhum tipo?
Eu creio que eventos podem ser usados da forma certa e sem pescar em aquário dos outros.
Um jantar para casais por exemplo é algo que julgo muito bom.
- Vc sugere que os jovens não possam fazer nenhuma atividade de entretenimento? Que recurso vc usa para atrair jovens a ouvir a Palavra?
Falo em amor, pois simpatizo com algumas preocupações suas.
Pr Cleber.
http://confraria-pentecostal.blogspot.com/
Antes de tudo, visitei seu Blog e também gostei muito. Glória a Deus! Já o estou seguindo.
Também sou uma pessoa prática e agradeço pela oportunidade de explicar alguns pontos em que eu não consegui me fazer entender.
Então, respondendo as suas ótimas perguntas:
"- Vc sugere que no culto não haja louvor? Acho meio complicado generalizar algumas coisas."
R: É preciso separar estas duas coisas: louvor de adoração é excelente e não pode faltar nos cultos, mas apresentação de cantor é outra coisa, bastante diferente. Na primeira, todos participam e ninguém está se apresentando para o homem. Na segunda, trata-se de uma exibição, na qual os membros ficam sentados, alguns entediados. Simplesmente, não há base bíblica para tal coisa durante o culto ao Senhor.
"- Vc sugere que a igreja não faça eventos de nenhum tipo? Eu creio que eventos podem ser usados da forma certa e sem pescar em aquário dos outros.Um jantar para casais por exemplo é algo que julgo muito bom."
R: Não sou contra todo tipo de evento, mas sim aqueles que não glorificam a Deus, mas alimentam o ego do homem. Mas, ainda existe uma questão muito mais séria: o desgaste para um evento, seja um jantar, ou qualquer outra coisa, é sair do foco principal da igreja, que é ganhar vidas para Cristo. Nós temos que mobilizar as pessoas na evangelização, e não em ativismo dentro de quatro paredes. Igreja não é clube, muito menos restaurante. Escrevo isto com amor. Já fiz muitos jantares para casais e cheguei a conclusão que nenhum deles edifica mais que uma genuína pregação do evangelho. E, para promover uma comunhão maior em nossa igreja, fizemos algo bastante simples: cantina de graça após o culto. Os próprios membros levam salgados, ou doces, e todos compartilham com amor. O refri é por conta do caixa da igreja. Tem sido uma bênção!
"- Vc sugere que os jovens não possam fazer nenhuma atividade de entretenimento? Que recurso vc usa para atrair jovens a ouvir a Palavra?"
R: Amado, não devemos usar de nenhum recurso para atrair os jovens, a não ser confiar no Espírito Santo e pregar o genuíno evangelho. Foi assim que fui atraído pela graça de Deus, quando eu tinha 17 anos. O poder de Deus está no evangelho (Rm 1:16) e não em nossas estratégias humanas. O grande problema é que na maioria das igrejas não se prega mais o genuíno evangelho, mas outro evangelho (da prosperidade, do milagre, da vitória, etc).
Precisamos voltar ao evangelho. Precisamos voltar às Escrituras.
Estou seguindo o seu blog e convido-te a visitar o Comendo Maná, é um canal bíblico com muitos temas e edificações para sua vida.
Deus te abençoe sempre!
Shalom
Myllena Carneiro
Achei legal diferenciar louvor e show... acho q faltou isso no texto original.
Tbm tenho evitado eventos pelo desgaste. Mas alguns julgo oportunos. Faço alguns eventos de evangelismo. O jantar de casais vejo como forma de pregar a palavra e falar coisas que é mais difícil falar num culto geral onde tem solteiros junto. Acho útil tbm pra despertar o romantismo dos casais. Só dei esse exemplo pq acredito q alguns eventos possam ser úteis. Mas certamente a igreja não deve viver em função deles.
Gostei da idéia da cantina livre...hehe... tbm valorizo muito a comunhão. ;-)
Sobre os jovens eu tbm fui chamado na adolescência, com 16 anos. Lembro q me entreguei a Deus totalmente, mas lembro que os "entretenimentos" da época me ajudaram a curtir essa fase de vida de uma forma saudável. Não consigo ver mal nisso, desde que é claro o evangelho genuíno seja pregado.
Veja: qdo há comunhão numa igreja os irmãos às vezes se visitam na praia, vão pescar juntos... creio que os jovens precisam disso mais que os adultos. E acho natural que isso aconteça entre eles...
Por favor não me leve a mal... apenas acho importante explorar bem esse tema...
Ótima pergunta. Gostaria de respondê-la com outra pergunta:
Por que devemos tratar os jovens como um grupo separado?
Outro dia convidei um rapaz desviado para o culto e ele me perguntou quando haveria "culto jovem". Minha resposta foi: todo culto é jovem! Ou será que os outros cultos são de velhos?
Perceba, aquele rapaz não está interessado na coisas de Deus, mas numa curtição. A pergunta dele foi para justificar sua ausência da igreja.
Em nossa pequena igreja promovemos confraternizações, que podem acontecer na casa de algum irmão, ou em algum parque.
Por exemplo, estaremos subindo a serra da Tiririca no próximo dia 13, sábado. Os jovens estão empolgadíssimos com isso! Ao chegarmos no topo do Costão de Itacoatiara, estaremos conversando sobre nossa vida espiritual, enquanto faremos um pique-nique.
Mas, os adultos não estão excluídos desta programação. Em lugar algum a Bíblia nos ensina a promover a separação entre jovens e adultos. Muito pelo contrário, pois é no diálogo com os adultos que os jovens se tornam mais sábios.
Estou pronto para mais esclarecimentos.
Que Deus o abençõe!
Já estou seguindo seu blog e peço permissão para publicar essa matéria em meu blog: www.ipfb.blogspot.com
Abraço,
Agradeço por seu comentário. Fique a vontade para publicar esta e outras matérias. Também estarei seguindo seu blog.
Abraços.
Deus lhe abençoe cada dia mais!
goostaria de entrar em contato com o irmão por email. davi_buriti@hotmail.com
Abraço!!
Otima matéria, ire fazer varias cópias e distribuir entre os irmão e pastores.
Assim estarei colaborando para o engrandecimento do Reino do Senhor.
Parabens!!!
Concordo plenamente com você. Culto a Deus é ofertar a Ele nossas vidas em consagração. Como eu deixo claro nesse artigo, culto não é show para entreter os próprios homens.
Um forte abraço, na paz do Senhor!
Sua amiga e irmã:
Rosimary Vasconcelos
Quando escrevi este artigo, minha intenção foi compartilhar aquilo que Deus havia me mostrado em relação aos eventos de nossa igreja. Como pastor, espero que outros pastores leiam este artigo e meditem seriamente a respeito. Por isso, minha sugestão é que você imprima este texto e, com carinho, entregue uma cópia ao seu pastor. Após mais de um ano haver se passado desde que eliminei o entretenimento dos cultos, nossa igreja cresceu, tanto em número, quanto espiritualmente. Seria bom que seu pastor soubesse disso também. Tudo isso digo em amor, e somente como sugestão. Certamente Deus lhe dará direção em tudo.
Um forte abraço, na graça e paz do Senhor Jesus!
Agradeço pelo incentivo. Fique a vontade para publicar meus artigos em seu blog. Apenas lembro sempre a todos os amigos que não esqueçam de colocar um link para meu blog, a fim de que os leitores possam me encontrar e, se necessário, esclarecer alguma dúvida.
Aproveito para dizer que já visitei seu blog e o estou seguindo. Gálatas 4:16 também é um de meus versículos preferidos.
Estamos juntos na causa de voltar ao verdadeiro evangelho!
Alegra-me saber que a chamada que coloquei no twitter não foi em vão. Tenho certeza que foi mesmo um mover do Espírito Santo. Oremos para que cada vez mais irmãos em Cristo despertem para a verdade.
Graça e paz!
Quando puder visite o meu Blog www.luizcesarblog.blogspot.com
Paz!!!